Pelo padre José Júlio Rocha
“Shawshank Redemption” (Os Condenados de Shawshank, 1994) é um filme daqueles! Para quem não o viu (espero que poucos), trata da história de um bancário, Andy Dufresne (Tim Robbins), que foi injustamente acusado da morte da mulher e, aí pelos anos 30, é condenado a prisão perpétua no cárcere de alta segurança de Shawshank, Nova Inglaterra. O seu companheiro inseparável na prisão durante quase trinta anos é Red, o tal Morgan Freeman que nunca foi novo e para quem este filme terá sido uma viragem na carreira. Agora não interessa o desenrolar do filme, vejam-no se quiserem, aconselho bem, basta apenas um pormenor a meio do filme.
Estamos no refeitório da prisão, ao almoço. O velho Brooks, o bibliotecário, tinha saído de licença precária depois de quarenta anos recluso. Não aguentou a liberdade e enforcou-se na trave do quarto de um albergue. O ambiente é azulado, meio obscurecido e com um toque de sujo. As tribos dos prisioneiros já escolheram as suas mesas. Há clãs dentro da prisão, dentro de todas as prisões. Dufresne, à mesa com os amigos, começa então a falar:
– Há sítios no mundo que não são de pedra.
Olham-no, empedernidos por longos anos a derreter numa prisão de pedra e aço, todos sabem que o melhor que têm a fazer é construir todo o seu mundo dentro daquelas paredes. Com condenações a perpétua ou a penas de muitos anos, todos sabem que o que lhes resta de felicidade se resume a habituarem-se: não há outro mundo. Dufresne continua:
– Há algo em nós… que eles não podem tocar. É nosso…
Silêncio. Os outros entreolham-se, deve estar a flipar. Red (Freeman) cerra a testa, revelando rugas profundas e longas. Está preocupado:
– Estás a falar de quê?
Pequena pausa. Replica Dufresne, com os olhos espantados de convicção:
– Da esperança.
Todos levantam a cabeça do prato. Olham-se. É mesmo possível que Dufresne esteja a flipar. O sábio Red decide então apresentar a cara mais séria que tem e falar por todos:
– Deixa que te diga uma coisa, meu amigo: a esperança é perigosa. Pode levar um homem à loucura. De nada serve aqui. É melhor habituares-te a essa ideia.
Dufresne olha Red com os mesmos olhos e pergunta:
– Como o Brooks?
Silêncio pesadíssimo.
A última palavra pronunciada no filme é de Red, que entretanto escapara da prisão e está prestes a reencontrar-se com Dufresne, já evadido também, na bela praia de Zihuatanejo, no México, em frente ao Pacífico, o oceano que não tem memória:
– “I hope.”
Talvez eu não tenha muito mais para dizer nesta crónica, talvez me tenha lembrado desta cena do filme porque sim, porque me apeteceu, porque me fez lembrar de algo que teria urgência em dizer.
No entanto, ontem ao rever “Godfather III” (O Padrinho III, certamente o mais fraco dessa incomparável trilogia), apercebi-me de um diálogo interessante: Michael Corleone visita o Vaticano e encontra-se com o cardeal Lamberto, futuro papa. Lamberto mergulha a mão direita numa fonte de água e de lá tira uma pequena pedra. Diz a Michael:
– Olhe para esta pedra. Há muito que está na água mas a água ainda não penetrou nela.
Bate tenazmente com a pedra no rebordo da fonte, partindo-a em duas e revelando o seu interior enxuto. Diz:
– Seca. O mesmo aconteceu aos europeus: durante séculos eles estiveram rodeados pelo Cristianismo, mas Jesus Cristo não penetrou.
Talvez seja isto que eu queria dizer: o nosso mundo é uma prisão. Habituámo-nos tão belamente a ela que nos julgamos livres, mas o nosso interior pode ser a mais macabra das cadeias: prisioneiros das nossas paixões, prisioneiros das redes sociais e do que elas querem inculcar no nosso subconsciente, prisioneiros do que os outros dizem ou pensam de nós, prisioneiros. A prisão está dentro. Não importa se a cela tem quatro metros quadrados ou o tamanho do mundo, a prisão está cá dentro.
Quando nos habituamos, quando a esperança se torna perigosa, quando a mensagem de Jesus não penetrou. Cristãos sem cristo, presos sem cárcere.