Papa e Patriarca de Moscovo apelam à paz na Ucrânia e exigem respeito pela liberdade religiosa
O Papa e o patriarca ortodoxo de Moscovo assinaram hoje uma declaração conjunta, após o seu encontro inédito em Havana, com 30 pontos que procuram aproximar as duas Igrejas.
O texto aborda o problema histórico da Ucrânia, atualmente envolvida num conflito militar, recordando as vítimas das batalhas entre o exército de Kiev e os rebeldes pró-russos.
“Deploramos o conflito na Ucrânia que já causou muitas vítimas, provocou inúmeras tribulações a gente pacífica e lançou a sociedade numa grave crise económica e humana”, refere a declaração comum.
Os dois líderes cristãos convidam as Igrejas na Ucrânia a trabalhar em prol da harmonia social e pedem aos seus fiéis que se “abstenham de participar no conflito” e não apoiem “novos desenvolvimentos do mesmo”.
Após quase um milénio de separação entre católicos e ortodoxos, Francisco e Cirilo observam que o diálogo ecuménico “exclui qualquer forma de proselitismo”.
“Não somos concorrentes, mas irmãos”, sustentam.
A este respeito é referida explicitamente a questão das Igrejas católicas-orientais (a Igreja grego-católica, sobretudo na Ucrânia), que tinham sido proibidas por Estaline, saíram do escondimento e foram apoiadas pela Santa Sé, no pontificado de João Paulo II, após o final da União Soviética.
“Esperamos que o nosso encontro possa contribuir também para a reconciliação, onde existirem tensões entre greco-católicos e ortodoxos”, escrevem o Papa e o patriarca de Moscovo.
Numa afirmação que pode ser considerada um avanço face à tradicional pretensão de jurisdição da Igreja russa sobre os antigos territórios soviéticos, a declaração sublinha que “as comunidades eclesiais surgidas nestas circunstâncias históricas têm o direito de existir e de empreender tudo o que é necessário para satisfazer as exigências espirituais dos seus fiéis”.
“Ortodoxos e greco-católicos precisam de reconciliar-se e encontrar formas mutuamente aceitáveis de convivência”, pode ler-se.
Os dois responsáveis deixam votos de que este encontro, primeiro na história entre um Papa e patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, inspire os cristãos do mundo inteiro e reforce o compromisso conjunto de “realizar tudo o que seja necessário para superar as divergências históricas” entre as duas Igrejas.
Não somos concorrentes, mas irmãos
Francisco e Cirilo mostram-se preocupados com a situação de “restrição da liberdade religiosa” para os cristãos, em várias nações, e criticam ainda a “transformação de alguns países em sociedades secularizadas, alheias a qualquer referência a Deus e à sua verdade” por considerarem que tal “constitui uma grave ameaça à liberdade religiosa”.
Ainda neste contexto, defendem que a Europa “deve permanecer fiel às suas raízes cristãs”.
As duas partes chamam ao diálogo inter-religioso e classificam como “absolutamente inaceitáveis” as tentativas de justificar ações criminosas com motivações religiosas.
“Nenhum crime pode ser cometido em nome de Deus”, escrevem Francisco e Cirilo.
A declaração recorda o drama dos milhões de migrantes e refugiados que “batem à porta dos países ricos”, deixando depois críticas ao “consumo desenfreado” e à “crescente desigualdade na distribuição dos bens”.
O Papa e o líder ortodoxo russo realçam depois o que une as suas Igrejas em relação à defesa da vida, da família e do matrimónio, lamentando que “outras formas de convivência já estejam postas ao mesmo nível desta união”.
O texto deixa uma crítica ao aborto, afirmando que “milhões de crianças são privadas da própria possibilidade de nascer no mundo”.
“Pedimos a todos que respeitem o direito inalienável à vida”, referem os líderes cristãos, que advertem também para o “desenvolvimento da chamada eutanásia”.
A declaração comum é assinada por “Francisco, Bispo de Roma, Papa da Igreja Católica” e “Cirilo, Patriarca de Moscovo e de toda a Rússia”.
Ortodoxos e católicos encontram-se divididos desde o Cisma do Oriente, em 1054, data em que trocaram excomunhões o Papa Leão IX e o patriarca de Constantinopla Miguel Cerulário; as excomunhões foram levantadas em 1965, mas as Igrejas não recuperaram ainda a unidade plena.