Por Carmo Rodeia
«Habite em vós com abundância a palavra de Cristo, para vos instruirdes e aconselhardes uns aos outros com toda a sabedoria; e com salmos, hinos e cânticos inspirados, cantai de todo o coração a Deus a vossa gratidão. E tudo o que fizerdes, por palavras ou por obras, seja tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças, por Ele, a Deus Pai» (Col 3, 16-17).
Este excerto da Carta aos Colossenses com que termina a conclusão do instrumento de trabalho da XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos bispos de 2008, sobre a Palavra de Deus na vida e na Missão da Igreja, não poderia ser mais pertinente pois coloca-nos um desafio, a nós cristãos, sobre o que fazemos com esta palavra.
Diz São Máximo, o Confessor, também citado nestas conclusões que «As palavras de Deus, se são simplesmente pronunciadas, não são escutadas, porque não têm como voz a prática dos que as pronunciam. Se, ao contrário, são pronunciadas juntamente com a observância dos mandamentos, têm com essa voz o poder de fazer desaparecer os demónios e levar os homens a construir o templo divino do coração com o progresso nas obras de justiça».
Vem isto a propósito do que é, ou do que deve ser, o verdadeiro testemunho cristão.
O Pontifício Conselho para o diálogo inter-religioso, juntamente com o Conselho Mundial das Igrejas e a Aliança Evangélica Mundial, aprovaram um documento onde sobre este aspecto- natureza do testemunho cristão- fazem um conjunto de recomendações que se rege por 12 princípios dos quais saliento apenas os que considero mais relevantes, sem nunca enjeitar os outros: Agir no amor a Deus, Imitando a Jesus Cristo, nas virtudes cristãs da integridade, caridade, compaixão e humildade rejeitando o desprezo e a arrogância. Os cristãos, prossegue a carta, devem praticar atos de justiça tão simples como servir os outros em vez de se servirem a si próprios. Acresce a este código de conduta o respeito pelo outro, a renúncia aos falsos testemunhos… e a carta prossegue com outros tantos princípios.
Este tempo pascal convida-nos a ir na direção certa. Mas para isso precisamos de escrutinar a nossa consciência. Procuro fazer todos os dias esse exercício não por masoquismo ou por me considerar melhor do que outros; apenas o faço porque me quero tornar melhor do que sou.
No livro `A Nuvem do Não-Saber´, de final do século XIV – que muitos historiadores da matéria consideram “um dos mais belos textos místicos de todos os tempos”, como recordava José Mattoso na edição portuguesa (ed. Assírio & Alvim) –, o autor anónimo escreve: “[À] pergunta: ‘Que buscas? Que desejas?’, responde que era a Deus que desejavas ter: ‘É só a Ele que eu cobiço, é só a Ele que busco e nada mais senão Ele’. E se te perguntar quem é esse Deus, responde que é o Deus que te criou e redimiu, e por sua graça te chamou ao seu amor. Insiste que acerca d’Ele tu nada sabes.”
Esta ignorância é diferente da ignorância atrevida, aquela que resulta de nos habituarmos a viver a nossa vida, com uma rotina que acaba por nos dominar e nos diminuir porque são sempre os mesmos amigos, os mesmos lugares, as mesmas conversas, a mesma pequenez que começa e acaba ao fundo da nossa rua… a mesma coisa. Como dizia ainda há bem pouco tempo numa entrevista ao jornal Público o Pe. Tolentino Mendonça, depois de orientar o retiro da Quaresma do Papa, “O espanto é poder abrir os olhos, poder dar-se conta do que somos, do que está perto de nós, mas também do que está longe. É ganhar um olhar crítico sobre a nossa própria realidade, perceber que muitos gestos, à custa de os repetirmos, se tornam tiques e manias, e se esvaziam da autenticidade fundamental”.
Que bom seria se todos pudéssemos ganhar a coragem para ter um olhar novo sobre a nossa própria existência. Quem sabe também isso nos ajudaria a ver o mundo de outra maneira e nos tornaria todos um pouco mais cristãos, e portanto melhores testemunhas… da palavra de Deus.