Por Carmo Rodeia
O jogo entre as seleções da Bulgária e da Inglaterra, esta segunda-feira, dia 14 de outubro, foi interrompido duas vezes por causa dos cânticos racistas, entoados pela claque búlgara contra os três jogadores negros da seleção inglesa.
Dois deles – Sterling, craque do City e Rashford do United- responderam (como se fosse necessário e útil!) dentro de campo com a sua classe inconfundível, marcando três dos seis golos que os ingleses impuseram aos búlgaros.
A situação não é inédita e já há um mês, o ponta de lança bósnio da Roma, Dzeko, havia se insurgido contra a presença de racistas e xenófobos nos campos de futebol, comentando os apupos de que o seu colega belga Lukaku tinha sido vítima, na hora de marcação de um penalti, num jogo que opôs o Inter de Milão ao Cagliari. Mas, ao contrário de Dzeko o seleccionador búlgaro, o conhecido Balakov, ex jogador do Sporting Clube de Portugal, preferiu desvalorizar os gritos racistas dos búlgaros lembrando que em Inglaterra os tiques de racismo são mais evidentes, esquecendo-se que a competição é dentro de campo e não fora dele, senão os ingleses venciam duas vezes os búlgaros e não é disso que estamos a tratar.
Infelizmente o preconceito racial tem feito derramar sangue de inocentes em várias partes do mundo, ao longo da história da humanidade. Hoje, como ontem, a história repete-se quando pensaríamos que a evolução da humanidade e a democracia de estilo ocidental nos protegeriam e nos afastariam desse tipo de sentimentos, atitudes e comportamentos. Mas não!
Todos os dias, notícias angustiantes que chegam da Europa, da América, do Médio Oriente, da Ásia ou de África, mostram-nos que ainda há muito caminho para andar para vencer o preconceito religioso, rácico ou étnico.
Há dois mil anos, quando Jesus se encontrou com a Samaritana, no poço de Jacob, o preconceito era geográfico. E, poucos entenderam (julgo que nem a própria!) que Jesus, um judeu, pudesse falar com uma mulher da Samaria, habitada por dissidentes com os quais os judeus não estavam de acordo. Hoje, quando relemos este capítulo do Evangelho de São João facilmente compreendemos o escândalo que foi o pedido que Jesus fez à mulher Samaritana para que lhe desse de beber. Jesus estava cansado do longo caminho, é certo, mas não era sede de água que Ele tinha. A sede de Jesus passava, como passa hoje, por se aproximar de nós e desafiar-nos a vencer as cadeias do nosso próprio egoísmo. Seremos nós capazes de dar aos outros de beber?
Julgo que, em Sofia, os búlgaros (e os ingleses que ripostaram!) não foram, tal como não somos de cada vez que erguemos um muro ou impedimos a passagem de um migrante para a Europa. O Presidente da Federação búlgara de Futebol até já pode ter-se demitido, qual cordeiro imolado, mas a verdade é que incidentes como este repetem-se no nosso quotidiano a uma velocidade supersónica, com a conivência e a cumplicidade dos governos. No futebol e noutros sectores de atividade. Sentimentos que pareciam superados, como o medo, o desprezo e até mesmo o ódio contra indivíduos ou grupos considerados diferentes em virtude de sua pertença étnica, nacional ou religiosa têm se traduzido em atos de intolerância, discriminação e exclusão. Infelizmente, vezes de mais esses sentimentos têm sido instrumentalizados por míopes interesses eleitorais.
Recordo-me de Flannery O´Connor e do seu livro “Um bom Homem é Dificil de Encontrar”, constituído por uma série de contos que nos relatam acontecimentos sórdidos e imprevistos que mostram a natureza humana. Flannery O´Connor tem o condão de nos mostrar que a tragédia ocorre sempre na sequência de escolhas deliberadas, claramente pesadas e pensadas. Por cada homem e por cada mulher. Se na hora da decisão o coração não estiver escancarado, como o de Jesus estava quando se encontrou com a Samaritana, o copo pode derramar, se é que já não está a derramar, sem matar a sede a ninguém.