Por Carmo Rodeia
Este fim de semana mais um jornalista foi vilmente assassinado. É o sexto jornalista assassinado no México este ano.
Ser jornalista no México mais do que uma profissão parece ser uma condenação à morte.
Javier Valdez Cardenas de 50 anos de idade, foi abatido em plena rua, no estado de Sinaloa, bastião do cartel de Joaquin “El Chapo” Guzman, atualmente detido nos EUA.
Premiado pelas suas reportagens, o colaborador da agência noticiosa France Presse (AFP), e fundador da revista Riodoce, era um dos raros jornalistas a garantir uma cobertura independente da guerra dos cartéis e das operações do exército contra os traficantes de droga.
Num dos seus últimos artigos publicados pela agência AFP, Cardenas relatava a guerra de sucessão dentro do cartel de Sinaloa.
Com 105 jornalistas assassinados desde o ano 2000, o México é o terceiro país mais mortífero para a profissão, logo após a Síria e o Afeganistão.
Um número que contrasta com as críticas à alegada impunidade dos assassinos, quando a maioria dos casos permanece ainda por elucidar.
No mês passado, o diretor do diário “Norte” informou os leitores da decisão de acabar com o jornal, um dos cinco em circulação na Ciudad Juárez.
Oscar Murguia explicava numa carta aberta que a onda de homicídios de repórteres no país tornava o trabalho de investigação e denúncia demasiado perigoso. Dizia Oscar Murguia, “nestes 27 anos remámos contra a maré, angariando ataques e castigos de indivíduos e de governos por expormos as suas más práticas e atos corruptos. Tudo na vida tem um início e um fim, um preço a pagar. Se isto é a vida, não estou preparado para que mais colaboradores nossos paguem o preço, nem que eu próprio o pague.” Na carta, o diretor editorial prometia continuar “a lutar a partir das trincheiras” e “a ser leal aos meus ideais e à minha cidade”.
O México é apenas um dos lugares onde é impossível pensar e denunciar. Infelizmente há muitos outros lugares. Aqui matam-se jornalistas porque denunciam. Noutros lugares prendem-se jornalistas porque denunciam. Noutros ainda perseguem-se jornalistas porque denunciam.
A liberdade de expressão é um dos direitos humanos fundamentais, consagrado no artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos das nações Unidas. Acrescento-lhe, de motu próprio, a liberdade de informação.
Na obra “Da Liberdade de Pensamento e de Expressão”, John Stuart Mill defende o direito que o indivíduo tem de pensar e agir. Não preconiza a irresponsabilidade, o pensar e o agir segundo o que aprouver ao indivíduo, e sim a responsabilidade, a liberdade de saber o que pensar e o que fazer. Que cada indivíduo opte, em liberdade, por determinada maneira de pensar e agir – eis o pensamento central do autor.
Vinícius [de Moraes] dizia que beleza é fundamental. Eu acho que liberdade é fundamental, como o é perceber que as perguntas são muito mais importantes do que as respostas. E que, no fundo, um jornalista é alguém que faz perguntas. Constantemente. E se não as fizer servirá para pouco.
Quando dava aulas na Universidade dos Açores, perguntava recorrentemente aos meus alunos de comunicação social se eram curiosos; quantas perguntas faziam por dia e eles, incrédulos, só lá mais para o meio de cada semestre percebiam o alcance da minha interpelação.
Alguém que olha o mundo e não o questiona, pode ser muitas coisas, mas não pode ser jornalista. Os que não entendem isto dificilmente gostarão de jornalistas. Mas daí até terem o direto de os matar ou de os prender vai uma distância de gigante.
Com sangue, com algemas ou com o lápis da censura os que atentam contra a liberdade de expressão não podem ficar impunes, ainda que a impunidade pareça ser de facto a sua liberdade de expressão.