Por Carmo Rodeia
O conto ‘Angústia” de Tchékov fala do valor da escuta e da necessidade de aprendermos a escutar, bem como da dimensão terapêutica que isso pode ter na nossa vida.
Iona, o cocheiro, precisa de contar a morte do filho mas não arranja ouvidos importados. Depois de várias tentativas, mal sucedidas, diga-se, consegue a escuta do seu cavalo.
Iona precisa de falar para dizer, para se ouvir, e consequentemente, para entender o que se está a passar como se a fala e a escuta fossem a chave do entendimento, como se o sentido das palavras fosse dado mais por quem ouve do que por quem diz e, por isso, se perceba melhor.
Carregado de neve e solidão nos ombros, tão frias quanto as relações humanas de hoje, Iona simboliza um pouco o quotidiano da nossa humanidade: indiferente, apática, assente em laços fluidos e passageiros, onde muito poucos têm algum tempo e disponibilidade para ouvir e para dialogar com os outros.
A capacidade de escuta implica sempre uma nova abertura para o diálogo, não pela busca de consensos mas de partilha de opiniões, de crescimento. Para isso é preciso haver sinceridade. Sem ela o diálogo é uma ficção inútil que em vez de aproximar pessoas pode só aproximar pontos de vista, sedimentar os que são próximos e afastar ainda mais os que já estão longe. Pior ainda é quando ocultamos as nossas próprias convicções pessoais, com o objectivo de agradar, de não criar ondas ou de protegermos taticamente o nosso “interessezinho” ou de não comprometermos o nosso jogo tático, pensado para um determinado momento que a antecipação dos factos pode surpreender e alterar.
Além de um desrespeito enorme pelo outro revela um desprezo enorme pela verdade, substituindo-a pela conveniência.
Deve haver poucas coisas que me deixem mais tristes, porque este silêncio não é o silêncio dos inocentes mas o silêncio do comprometimento não com a verdade mas com o interesse.
Longe de pensar que a defesa da verdade é tanto mais honrada quanto irada for, a questão é que demitirmo-nos de a exercitar é também muito desonesto. A mentira é um pecado, mas como refere o papa Francisco a omissão também não deixa de o ser.
Esta disponibilidade para a escuta, e consequentemente para o diálogo, coloca-nos no caminho de Deus.
O Deus em que acredito não se anuncia na força nem no poder nem tão pouco no exercício de uma retórica que nos esmaga mas no choro de uma criança indefesa que nasce no meio de uma manjedoura pobre ou no grito do crucificado no alto da cruz.
Este Deus não é aquele que tudo pode e tudo quer mas aquele que nos convida a ser mais quando somos menos, a receber mais quando damos mais e a sermos perdoados quando perdoamos.
Esta hospitalidade radical é o caminho da escuta e do diálogo. É pelo menos o que eu desejo. O resto são mesmo conversas de homens, numa humanidade pouco cristã. Desculpem o desabafo…