Por Renato Moura
Já passou tanto tempo. Mas lembro-me bem. A doença começou na China. Reuniram para lhe chamar Covid 19. Em Portugal nem as autoridades anteviram. Programou-se já em cima da crise. Análises controversas, declarações contraditórias, hesitações, mudanças de estratégia.
Depois da emergência, lembro-me dos protocolos criados, para controlar a saída do confinamento. Nalguns sectores e actividades, complicados ou impossíveis de concretizar na totalidade. Mas compreende-se, pois, quiseram, simultaneamente, fazer duas coisas, quase incompatíveis: retomar o funcionamento da economia e evitar o alastramento da doença. Nos restaurantes e nas creches os procedimentos ajustaram-se por mérito dos profissionais.
Ficou então a nu a fragilidade do nosso SNS, pelo menos em termos de equipamento e quantidade de profissionais. Felizmente evidente a grande qualidade e abnegação de todos os trabalhadores da área da saúde; e pelo tempo fora muitos se contrataram. Assim, no nosso País, a desgraça foi muito menor em comparação com tantos países europeus. Mesmo assim chorámos a morte de muita gente. Descobriu-se a fragilidade dos lares de idosos!
Por uns meses a pandemia apanhou-me já nos 70. Eu e os outros integrámos a patrulha dos “coitadinhos dos velhinhos”. O anátema condenava-nos a «prisão domiciliária» por meses ou anos. Apesar de toda uma vida de trabalho, vitórias nos perigos, lutas e doenças, saber e experiência. Depois advogaram-nos alguma «liberdade condicional». Todavia estávamos já psicologicamente marcados.
Foi muito triste ver: falência de empresas; perda de empregos; prometer e não cumprir; UE ronceira. Foi deplorável: o exagero do recurso ao layoff; empresas a olhar somente para os grandes lucros; estratégias para não voltar ao trabalho; preferência pela quarentena nos hotéis, em vez de na própria casa.
Foi muito bonito: ver solidariedade e voluntários; gente sem largar o posto de trabalho; empregados a forçar o regresso à actividade; desempregados a preferir o trabalho, em vez do subsídio. Foi admirável: o reerguer de pequenos empresários; a reconversão de empresas; empresas sem lucro, mas abertas com o intuito de servir.
Recordo-me ainda de quase tudo. No 13 de Maio daquele 2020, no Santuário de Fátima, o Cardeal António Marto bem aconselhava a: “reflectir sobre a vida e, em primeiro lugar, ir ao essencial”; “repensar os nossos hábitos, o nosso estilo de vida, a escala de valores que orienta a nossa vida” e ainda: “a nossa liberdade só pode ser exercida na responsabilidade e na solidariedade”.