Crise pós pandemia fragiliza instituições particulares de solidariedade social e trabalhadores

Novo presidente da Conferência Episcopal  quer uma igreja presente no mundo

O novo presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), José Ornelas Carvalho, alertou hoje para as dificuldades financeiras por que estão a passar as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), face à covid-19.

O bispo de Setúbal, José Ornelas, destacou o esforço desenvolvido pelas IPSS face à pandemia, mas alertou que algumas destas entidades estão a passar por dificuldades.

“Foi um dos temas que abordamos com preocupação na conferência. Elas [IPSS] sofreram tanto quanto os outros serviços e têm de subsistir não só à pandemia, mas à situação de subfinanciamento que se vinha verificando antes”, adiantou o recém-eleito presidente da CEP em conferência de imprensa.

Segundo José Ornelas, “os ordenados dos funcionários aumentaram, e isso é uma boa notícia, só que os contributos do Estado sobre os quais se apoiam também estas instituições não subiram na mesma proporção”.

“Temos muitas situações que estão no limite de sustentabilidade, o que é uma grande preocupação, não só para nós, como para o serviço que estas instituições prestam à sociedade”, acrescentou.

José Ornelas Carvalho lembrou ainda a “responsabilidade” assumida pela Igreja, ao suspender as celebrações presenciais sem que o Governo o ordenasse, mas admitiu que o confinamento provocou algum afastamento dos fiéis.

“Foi positivo [confinamento], porque está na base da pandemia para o país ter tido a expressão relativamente contida, mas, por outro lado, também leva a que as pessoas se habituaram a uma contenção mais em casa, não só no domínio da igreja, mas de outros domínios. A autocontenção entrou na vida das pessoas e é bom que isto se normalize de outra forma”, alertou.

Considerando que apesar da ausência presencial, os fiéis tiveram uma igreja dentro de casa, o bispo entende que essa realidade “não substitui as celebrações e é urgente e necessário fazer perceber isto”.

“Não podemos viver em teletrabalho ou em telereuniões. Mas, integrar isto tudo numa sã comunicação e numa sã maneira de estarmos presentes e de comunicarmos vai dar sentido às verdadeiras reuniões presenciais de encontro interpessoal. São desafios enormes e temos de ser criativos para isto”, destacou ainda.

Para o responsável da CEP é “preciso criar as condições para chegar a uma maior normalização da vida”.

Uma das reflexões efetuadas na Assembleia Plenária da CEP foi a “redescoberta do valor de cada vida humana”, que “não é menor quando as vítimas a proteger são idosos e só pode lamentar-se que muitos residentes em lares tenham sofrido mortes que poderiam ter sido evitadas”.

“Os lares foi um dos dramas que a todos nos toca e emociona, porque é das tais situações que a debilidade se vê confrontada de uma forma dramática. A própria configuração dos lares – e foi-o por essa Europa inteira, leva a que o vírus seja de uma propagação muito rápida. O que desejamos e esperamos é que não volte a atingir as instituições neste domínio”, afiançou ainda o bispo de Setúbal.

 

Serviços de saúde devem ser reconhecidos

A Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa que esteve reunida nos últimos dois dias em Fátima, considera que a pandemia tornou “mais evidente a missão e a importância dos serviços de saúde” e que o Estado deve assegurar o direito à vida e à saúde.

“Tornou-se mais evidente que as despesas com esses serviços não são supérfluas ou facilmente dispensáveis. Pode continuar a debater-se, como até aqui, a parcela que nesses serviços caberá ao setor público, ao setor social e ao setor privado, mas é agora mais evidente que ao Estado cabe uma responsabilidade indeclinável de garantir que o acesso à saúde a ninguém é negado”, destacaram os bispos.

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, José Ornelas Carvalho, acrescentou que a pandemia veio dizer que é preciso que o Estado “assegure o fundamental da vida e da saúde da população”.

“Assegurar, não significa que tem de fazer tudo, mas é muito importante que esteja bem presente. Além disso, as pessoas que fazem este serviço devem ser reconhecidas e capacitadas para tal”, sublinhou.

Constatando a tarefa “incansável” destes profissionais de saúde, o bispo de Setúbal lembrou que “já antes da pandemia se falava do ‘burnout’ destes profissionais pelas tarefas acrescidas que lhes iam sendo acometidas e que precisavam de novas condições para exercerem bem o seu papel na relação com os doentes”.

José Ornelas afirmou ainda que “outra das preocupações” da CEP é que o “Estado assegure as condições necessárias de financiamento e de enquadramento a essas pessoas, mas também que saiba do ponto de vista de uma racional economia e social contar com a criatividade e a sinergia dos setores associativos, dos serviços sociais que são prestados pela própria sociedade civil e também pelas organizações privadas. O importante é que se encontre a melhor forma para se ir ao encontro das necessidades das pessoas”, destacou.

Para o bispo, a pandemia colocou em evidência o “valor inestimável de cada vida humana”.

Nas conclusões dos trabalhos, a CEP considera que a legalização da eutanásia e a mensagem cultural que essa legalização acarreta “contraria notoriamente estas lições e redescobertas” e “vem admitir que algumas vidas humanas, marcadas pela doença e pelo sofrimento, tenham perdido valor e deixem de ser merecedoras de proteção e porque vem desvirtuar a missão dos profissionais de saúde, a quem passa a ser pedido que deixem de proteger a vida em quaisquer circunstâncias”.

“O que reportamos como muito importante em todos estes meses foi a formação preciosa e fundamental da vida, que é o suporte para todas as outras dimensões, seja a economia, sociedade ou política. Antes de mais, é a defesa da vida a todos os níveis. Não só ao nível da medicina, mas ao nível da própria organização da sociedade, que defende a vida. A vida não é só no seu início e no seu fim”, considerou.

O bispo referiu ainda que “falar de qualquer forma de pôr termo à vida não quadra neste modo de entender a vida”.

“Isto significa que também no decurso da vida, ou menos vida, que tem a ver com condições de miséria e de precariedade a todos os níveis sociais, são um perigo para a humanidade inteira e não apenas para as pessoas diretamente atingidas. A pandemia fez-nos perceber como essas situações podem em causa a sociedade”, reforçou.

José Ornelas Carvalho alertou ainda para as condições de vida das pessoas, que terão “tendência a agravar-se nos próximos meses”.

“É geral, sobretudo para as famílias mais carenciadas, e mais carenciadas não quer dizer simplesmente de menores recursos. Agora, muitas pessoas que tinham uma vida relativamente bem organizada, de repente viram-se sem recursos e isso é algo que vai pesar na vida social”, informou.

O bispo de Setúbal lembra que a sua diocese já foi uma das mais atingidas por anteriores crises com uma “situação de penúria” e teve “uma repercussão social dramática”.

“É importante que não fique ninguém para trás, que não se volte a conhecer a situação estrutural de miséria que veio a atingir tantas famílias. Reconheço os esforços que o Governo está a fazer nesse sentido, de ir ao encontro destas pessoas, porque isso é que vai ao encontro de uma verdadeira economia. É preciso que as pessoas tenham dignidade e capacidade de poderem ter os bens necessários para a sua existência, porque isso vai redundar num maior equilíbrio de economia e social”, rematou o presidente da CEP.

 

O racismo é intolerável

Na conferência de imprensa D. José Ornelas Carvalho adiantou que as manifestações contra o racismo “têm sempre razão de ser”.

“A exclusão do diferente e a imposição do unanimismo é próprio de todas as ditaduras que assumem tantas formas em tantas partes do mundo. O racismo é a imposição da minha perspetiva de ser gente a outros que são diferentes de mim. Isso é pretensamente apresentado como uma missão cultural e civilizacional. Fomos formados numa ideologia em que estamos a defender a fé e o império. Falar de uma realidade diferente que quero domesticar e reduzir aos meus interesses vai ter sempre como consequências movimentos deste tipo”, admitiu o bispo de Setúbal.

  1. José Ornelas Carvalho considerou ainda que “a luta contra a discriminação, qualquer que ela seja – racial, económica ou cultural – tem de ser constante”.

“O evangelho apresentado como forma de união de todos das diversas culturas e línguas deste planeta é um projeto novo, mas não significa submeter ao imperialismo de alguém, mas criar possibilidade de todos, na sua diferença, [a estarem num] mundo multicolor”, reforçou.

O presidente da CEP recordou que Portugal teve a sua “capacidade de mestiçagem”, ao contribuir para a criação de “línguas e culturas crioulas, culturas mestiças”.

“Mas, por outro lado, fomos criando diferenças e estratificações nessa diversidade e isso não é um fenómeno simplesmente do passado. É algo que pode continuar também hoje. Daí que ‘dar coração’ a uma globalização significa globalizar tudo e não nivelar tudo. É contar com as diferenças de cada um para construir um mundo que verdadeiramente seja de todos. É esse mundo que acredito”, adiantou.

D.José Ornelas Carvalho considerou ainda que a atos como a vandalização de estátuas, como sucedeu com a do padre António Vieira, são “exageros”.

“Não posso mudar o passado, devo saber o que honro com estes símbolos, mas o tempo não volta para trás. O que me interessa é entender hoje a realidade que vivemos e saber identificar sem medo o que nós somos. A nossa leitura da história, tantas vezes enviesada por esta vista só do nosso lado, não está vista do lado daqueles que sofreram os efeitos dessa história”, realçou.

(Com Lusa)

 

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