“Costumo dizer que estamos todos na `fila´, mas custa muito sobretudo quando são mais novos”, afirma voluntária da Clínica do Bom Jesus

Esta terça-feira, dia da festa de Nossa Senhora de Lourdes, Igreja celebra o Dia Mundial do Doente

Foto: Igreja Açores/CR

Voluntária há oito anos na Clínica do Bom Jesus, Maria Delfina Paula é uma espécie de “anjo da guarda” de muitos dos doentes que ali estão internados, uns mais novos que outros, mas todos lhe merecem respeito.

Esta terça-feira a Igreja celebra o Dia Mundial do Doente, na festa de Nossa Senhora de Lourdes.

“O meu trabalho era na biblioteca da Gulbenkian, hoje a Biblioteca Municipal, com livros. Muitos dos doentes que por aqui passam conheci-os desses lugares e hoje vê-los amarrados a uma cama é muito difícil, custa muito, mas temos de ser capazes de lhes levar esperança”, refere esta voluntária que há oito anos lida todas as semanas, duas vezes, com esta realidade.

“Comecei a ser voluntária depois da minha mãe falecer. Tenho uma especial predileção pelos idosos e incomoda-me sobretudo a infantilização que fazem deles, por vezes”, adianta Delfina Paula.

“Gosto de lidar sobretudo com pessoas mais idosas. Acho que até são as mais vulneráveis. As pessoas tendem a considerar os sintomas da velhice- esquecimento, fraca mobilidade- como sinais de tontice e isso não é bonito” refere esta voluntária que às segundas e sábados ajuda os idosos institucionalizados na Clínica do Bom Jesus, em ponta Delgada, a ir à missa e depois na hora do lanche.

“Em muitas ocasiões acha-se que eles já são tontinhos e já não pensam. E agem como se fossem crianças e eles não são crianças” refere com assertividade.

“Às vezes até me parece falta de respeito, porque aquelas pessoas têm identidade própria; muitas podem ter tido um acidente vascular cerebral (AVC), outros podem ter uma demência, mas todos merecem o nosso respeito e , na maioria das vezes, basta um sorriso ou sentarmo-nos para os ouvir”, diz.

“Para muitos somos uma espécie de anjos da guarda, como já me chamaram” adianta ainda destacando que o seu trabalho e a forma como faz voluntariado não está isento da perspetiva de fé que a forma.

“Faço parte do Apostolado de Oração e sou Ministra Extraordinária da Comunhão mas nunca imponho a minha fé a ninguém. Até porque há pessoas que nunca tiveram fé e não é nesta altura da vida, em que se encontram numa situação de maior fragilidade que a vão encontrar”, adianta.

“O sofrimento faz parte do ser humano”, prossegue e há pessoas “em que a fé alivia esse sofrimento e outras que não conseguem superar o sofrimento porque não têm fé, embora cada caso seja um caso”, refere.

“ Quando nos abeiramos de um doente percebemos à segunda ou terceira conversa se essa pessoa consegue ver e ter essa luz de fé”, conta ainda, mas todos “são filhos de Deus e merecem ser ouvidos. O meu trabalho é sobretudo esse: ouvir, ouvir e ouvir. Porque há muitos doentes, não diria revoltados mas inquietos”, acrescenta.

“Muitos dos doentes que visito não conseguem comer sozinhos e o momento em que lhes estou a dar de comer é também um momento de conversa e de escuta”, adianta.

“Tem dias que saio da Clínica muito dorida mas de alma e coração cheios. É a idade, são os problemas, é a sensação de abandono que alguns têm… Já se sabe que a fragilidade é sempre um problema” conclui Delfina Paula para quem a vida sem “todo este movimento” se calhar “não faria sentido”.

“Eu costumo dizer a vida é uma enorme fila, onde estamos todos: uns vão à frente e outros vão atrás. Mas, vamos todos. Encarar esta realidade é importante” refere, embora reconheça que ninguém está naturalmente preparado para morrer.

“O Papa na mensagem deste ano para o Dia Mundial do doente fala muito no dom e no perdão. São duas coisas que temos de interiorizar: o dom que nos é dado e a capacidade de perdoar, dando-nos uns aos outros. Esta para mim é a essência de ser voluntário, sobretudo junto dos mais velhos e doentes”, conclui mesmo reconhecendo que “não é fácil”.

“Depende da educação que trazemos connosco, a educação para o cuidado, para o cuidado do outro, esteja ele em que condição estiver. O que temos de ter é o sentido do outro e esse sentido dependente cada vez mais do contexto em que vivemos”, refere, ainda.

“A esperança não engana e fortalece-nos nas tribulações” é o título da Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial do Doente de 2025. Nesta mensagem o Papa aponta a importância de gestos de amor e de proximidade.

“Todos juntos somos ‘anjos’ de esperança, mensageiros de Deus, uns para os outros: doentes, médicos, enfermeiros, familiares, amigos, sacerdotes, religiosos e religiosas. E isto, onde quer que estejamos: nas famílias, nos ambulatórios, nas unidades de cuidados, nos hospitais e nas clínicas”, escreve Francisco.

O tema para este ano é inspirado numa passagem da carta de São Paulo aos Romanos: “«A esperança não engana» (Rm 5, 5) e fortalece-nos nas tribulações”.

Francisco recorda a celebração, no contexto do Jubileu de 2025, como “peregrinos de esperança”.

“Como é que nos mantemos fortes quando somos feridos na carne por doenças graves, que nos incapacitam, que talvez exijam tratamentos cujos custos vão para além das nossas possibilidades? Como fazê-lo quando, não obstante o nosso próprio sofrimento, vemos o daqueles que nos amam e que, embora próximos de nós, se sentem impotentes para nos ajudar?”, assinala o texto.

O Papa aponta à “ajuda de Deus” e do seu Espírito, que “nunca” abandona quem sofre.

“No momento da doença, se por um lado sentimos toda a nossa fragilidade – física, psíquica e espiritual – de criaturas, por outro lado experimentamos a proximidade e a compaixão de Deus”, pode ler-se.

“A doença torna-se então a oportunidade para um encontro que nos transforma, a descoberta de uma rocha firme na qual descobrimos que podemos ancorar-nos para enfrentar as tempestades da vida: uma experiência que, mesmo no sacrifício, nos torna mais fortes, porque mais conscientes de não estarmos sós”, pode ler-se.

Francisco fala da esperança como um dom de Deus, que aponta ao “horizonte infinito da eternidade”, e sublinha ainda a importância da “partilha”.

“Os lugares onde se sofre são frequentemente espaços de partilha, nos quais nos enriquecemos uns aos outros. Quantas vezes se aprende a esperar à cabeceira de um doente! Quantas vezes se aprende a crer ao lado de quem sofre! Quantas vezes descobrimos o amor inclinando-nos sobre quem tem necessidades!”, realça.

O Papa elogia gestos como “o sorriso amável de um profissional de saúde” ou “o olhar agradecido e confiante de um doente”, afirmando que todos eles têm “um papel especial” neste Ano Santo de 2025.

O Dia Mundial do Doente é celebrado anualmente a 11 de fevereiro, memória litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes; devido ao Jubileu, a celebração mundial num santuário mariano foi adiada para 2026 e vai decorrer em Arequipa, no Peru.

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