Pelo Padre Hélder Miranda Alexandre
Ao terminar o ano pastoral, é tempo de fazer balanços e novas planificações, num momento em que muitos aguardam (alguns ansiosamente) as decisões de D. Armando. Após um período demasiadamente longo de pandemia e sede vacante, instalou-se uma séria expetativa sobre aquilo que se poderá e deverá priorizar. Assiste-se na base das nossas comunidades a um certo cansaço de soluções provisórias e a prazo.
Contudo, é preciso precaver o risco sério de desilusão. Parece-me claro, aliás como defendia Paolo Asolan nas VI Jornadas de Teologia, que a pastoral tem de ser encarnada. Verifica-se facilmente como um plano diocesano ou universal pode não passar de boas intenções, que pouco ou nada dizem às nossas comunidades, quer por desconhecimento, quer por desinteresse por essas coisas “de padres”. A piedade popular tem os seus ritmos e acaba sempre por se impor e o pastor não tem outro remédio senão a de acompanhar.
Vivemos a intensidade da preparação e vivência da Jornada Mundial da Juventude, a que se seguirá um Sínodo acerca da sinodalidade. Sem dúvida, são momentos privilegiados de graça e de convocação, que deveremos aproveitar mesmo a sério. Senão, o Senhor passa e não nos sentamos à Sua mesa. E depois? Que passos deveremos dar?
Nas palavras de Francisco hoje vivemos não uma época de mudanças, mas uma mudança de época (Florença, 10 de novembro de 2015). O caminho mais atraente é o de adentrar-se em questões fraturantes e deliciar jornais com as famosas e clássicas controvérsias, com o epíteto de tabus da Igreja e bater mais um pouco nos que aguentam as hostes, quais maus da fita. É fácil sentar-se de poltrona e atacar levianamente quem ainda teima em acreditar na Igreja. Contudo, estas atitudes não nos devem distrair do essencial. A clarividência ensina que as soluções de outrora já esgotaram e a sociedade do pós-verdade, em que nos inserimos, já há muito que não se revê nesta Instituição.
Armando Matteo, um teólogo italiano, publicou em 2021 um ensaio que tem por título “Converter Peter Pan. O destino da fé na sociedade da eterna juventude” (Paulinas, 2022), um pequeno livro de leitura obrigatória. Nas palavras do autor, o tempo das igrejas semivazias, pós-covid 19, apresenta uma Igreja que já não fala a todos e que não é de todos e que enfrenta o desafio gigantesco de encontrar uma palavra do Evangelho que fale ao adulto de hoje. A sua argumentação parte de uma tese verosímil. “O adulto de hoje vive e respira a plenos pulmões a inédita e excitante liberdade de ser livre e de ser único. E que parece ter encontrado no mito da eterna juventude a única religião capaz de responder à busca de sentido relativamente a essa liberdade e unicidade, assumindo o fatal destino de um impenitente Peter Pan, não sem o apoio generoso e zombador do sistema económico-financeiro dominante”. Os adultos, fascinados pelo juvenismo, caracterizam-se pela sua pouca fé, sem transcendências, sem verdades, sem limites, sem moral e sem políticas. A leitura desta obra indica pistas provocadoras.
Não podemos continuar à espera do regresso dos crentes não praticantes, nem prolongar uma prática do restauro ou da pequena mudança, que recorda aquela atitude do gatopardismo que, para não mudar nada, finge mudar alguma coisa. O Evangelho tem sempre algo a dizer, e é nossa tarefa encontrar e mostrar um Jesus que chegue a esses corações. Preocupemo-nos mais com a autenticidade e testemunho de vida!