Francisco pede «contacto» direto e criativo da Igreja com quem sofre, criticando quem se «escandaliza» por causa destes gestos
O Papa Francisco defendeu hoje no Vaticano que a Igreja Católica tem de estar junto dos “marginalizados” e rejeitou a formação de uma “casta” que exclui quem sofre da vida eclesial.
“Verdadeiramente é no evangelho dos marginalizados que se joga, se descobre e revela a nossa credibilidade”, disse, na homilia da Missa que celebrou com os novos cardeais, incluindo D. Manuel Clemente, patriarca de Lisboa.
O Papa pediu aos cardeais que saibam servir “todas as pessoas marginalizadas”, desde as vítimas da fome ou dos desempregados aos que “perderam a fé”, “se afastaram da prática” ou que “se declaram ateus”.
“A disponibilidade total para servir os outros é o nosso sinal distintivo, é o nosso único título de honra”, prosseguiu.
A intervenção partiu do relato da cura de um leproso, por Jesus, recordando que no tempo de Cristo as vítimas desta doença eram consideradas “impuras” e que o contacto com elas era proibido pela lei religiosa judaica.
“Jesus responde à súplica do leproso sem demora e sem os habituais adiamentos para estudar a situação e todas as eventuais consequências”, assinalou Francisco.
Esta ação, precisou, “revoluciona e sacode intensamente” uma mentalidade fechada e “revoluciona também as consciências”, abrindo novos horizontes para a humanidade, a “lógica do amor, que não se baseia no medo mas na liberdade”.
Segundo o Papa, a atitude de Jesus “deixou alguns escandalizados”, mas este não se preocupou com as “mentes fechadas que se escandalizam até por uma cura, que se escandalizam diante de qualquer abertura”.
“O caminho da Igreja é precisamente sair do próprio recinto para ir à procura dos afastados nas «periferias» da existência”, observou, retomando um dos temas centrais do atual pontificado.
Francisco criticou a “pureza ritualista” que deixa de fora dos seus esquemas qualquer “carícia ou ternura”, ao contrário do exemplo do próprio Jesus.
“A compaixão leva Jesus a agir de forma concreta: a reintegrar o marginalizado”, lembrou.
Sem nunca se referir diretamente aos debates que têm marcado os últimos meses de pontificado, em particular no Sínodo sobre a Família, o Papa disse que a Igreja sempre teve no seu interior “duas lógicas de pensamento e de fé: o medo de perder os salvos e o desejo de salvar os perdidos”, oscilando entre “marginalizar e reintegrar”.
“O caminho da Igreja, desde o Concílio de Jerusalém [séc. I] em diante, é sempre o de Jesus: o caminho da misericórdia e da integração”, observou.
O caminho da Igreja, insistiu, é “não condenar eternamente ninguém”.
“Isto não significa subestimar os perigos nem fazer entrar os lobos no rebanho, mas acolher o filho pródigo arrependido; curar com determinação e coragem as feridas do pecado; arregaçar as mangas em vez de ficar a olhar passivamente o sofrimento do mundo”, apelou.
O Papa realçou que a caridade “contagia, apaixona, arrisca e envolve”, sublinhando que “o contacto é a verdadeira linguagem comunicativa”.
“Queridos novos cardeais, esta é a lógica de Jesus, este é o caminho da Igreja: não só acolher e integrar, com coragem evangélica, aqueles que batem à nossa porta, mas ir à procura, sem preconceitos nem medo, dos afastados revelando-lhes gratuitamente aquilo que gratuitamente recebemos”, apelou.
“Quantas vezes temos medo da ternura”, lamentou depois.
A celebração teve uma leitura em português e recorda, no momento da oração universal, os cristãos perseguidos e as “vítimas do ódio”.
D. Manuel Clemente, cardeal-patriarca de Lisboa, subiu ao altar para pronunciar em latim uma parte da chamada ‘oração eucarística’, junto do Papa.