Confesso!

Pelo Pe Teodoro Medeiros

Hithcock, o homem que nunca recebeu óscar de melhor realizador. Que interessa? Se até Kevin Kostner e Warren Beatty receberam esse galardão!… Podemos ficar descansados; a única explicação possível é que Hitch teve azar. Muito azar aliás, o azar de ter visão artística na terra dos ianques.

Os ianques só adimitem filmes para toda a família; temas virtuosos e edificantes, nada de histórias tortuosas de assassínios e culpas mal atribuídas. Por isso mesmo, premiaram os realizadores de jóias como “Beleza americana”, “Tráfico”, “Este país não é para Velhos” ou “Estado de Guerra”. Passe a ironia mordaz, se bem que os tempos mudaram muito.

O que não muda é o facto da injustiça não poder ser mudada. Ou o facto de Hitch ter feito pelo menos uma vintena de obras primas absolutas. Não vale a pena chover no molhado, já todos ouvimos falar de Vertigo (“A mulher que viveu 2 Vezes”), ou “A Janela Indiscreta”, ou “Psico”, ou “Chamada para a Morte”, ou “O Homem que sabia Demais”, ou “Os Pássaros”, ou “Intriga Internacional”, ou “O Desconhecido do Norte-Expresso” ou “A Corda”, ou “Ladrão de Casaca”, ou…

A esses famosos casos, há que juntar uma lista de trabalhos assombrosos, muitas vezes melhores até, mas menos conhecidos. Aparecem nesse grupo até filmes dos anos 40 e 50, cuja idade talvez explique o preconceito com que são recebidos. À cabeça de todos, “Rebecca” de 1940, um triller empolgante, um caso em que o “twist” final não é forçado e tudo encaixa.

Outro é “Perigo na Noite” de 1972, notório por ser um filme do último Hitch. Não aparece nas listas dos melhores do realizador e é isso que surpreende: um mistério resolvido no meio de peripécias, humor e até o tema por excelência, um inocente acusado. Como “O Falso Culpado” de 1956, com um Henry Fonda em grande forma e uma história que faz pensar no perigo da justiça.

“Confesso!” de 1953, é outra obra maior. Um trabalho amadurecido em que a história é contada com maestria e o espetador é agarrado desde o primeiro ao último segundo. Um padre é acusado de um homicídio que não cometeu (o tal tema preferido do inocente) e não se pode defender em tribunal porque… ouviu em confissão o assassino e não pode revelar quem é o culpado. Hitchcock era católico de resto.

Inicia, passa-se no Québec, vemos e, depois de uns compassos de música pesada, a câmara espreita pela janela e temos o nosso morto já estendido no chão. As peças de madeira da cortina da porta ainda oscilam; e vê-se o assassino em fuga. Daí em diante, com os dados lançados, não se para para uma grande contextualização ou apresentação dos personagens. A confissão diz-nos tudo isso; admirável economia de narração.

Talvez, talvez, o melhor do filme seja mesmo a tensão que se cria entre o padre, o assassino confesso e a esposa deste. As cenas estão cheias de tensão subtil, os olhares e os movimentos disfarçados, como se fossem naturais mas nós sabemos. A oscilação da mulher

que serve o padre mas evita o seu campo de visão. A câmara assume o seu ponto de vista sem se tornar exercício de virtuosismo anunciado. O facto de, noutro ponto do filme, se mencionar “ponto de vista”, revela que o realizador estaria a “estudar” técnica narrativa.

Alguns dos planos são cuidados e deliciosos; um telefone toca e é focado ele e a cadeira defronte num plano médio. Estando de lado, a cadeira esconderá a maior parte do corpo da mulher que nela se senta e atende o telefone. Quando isso acontece, vê-se-lhe praticamente apenas o braço e as 2 pulseiras luxuosas. Fomos preparados para pensar: -“Tem dinheiro mas é infeliz!”

Boa Técnica narrativa? Hitchcock é citado hoje em manuais de narratologia como uma voz carregada de autoridade. Sobretudo a distinção entre suspense e surpresa toma de emprestado o famoso exemplo que ele apresentou a Truffaut: 2 pessoas conversam numa carruagem de comboio. Por cima deles há uma bomba que explodirá dentro de 10 minutos. Se o público sabe disso, estará em suspense durante esses 10 minutos.

Durante esses 10 minutos de suspense, o público pensará: -“parem de falar de coisas sem importância e fujam; está aí uma bomba e vai explodir! Fujam!” Serão 10 minutos muito intensos portanto. No caso de o público não saber da bomba, os 10 minutos narrativos serão desprovidos de tensão; bomba explodirá e o público ficará surpreso durante alguns segundos, não mais do que isso. O mesmo diálogo será aborrecido, em comparação.

Em 1968, Hitch recebeu um prémio especial da Academia pelo seu trabalho. Muitos esperavam um discurso bem humorado, como era o seu hábito em situações do género. Mas, desta vez, ele disse apenas “muito obrigado” e foi sentar-se. Um amigo dele confirmou que esse gesto era de mágoa. Embora apreciasse o prémio, ele tinha contra Hollywood que olhassem o cinema como entretenimento e como utilidade mas não como arte séria.

E isso, claro, não merece comentário.

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