Iniciativa foi precedida de um apontamento musical pelo Coral de São José, com a organista titular do órgão da Igreja, Isabel Albergaria

Realizou-se esta quarta-feira, dia em que a Igreja celebrou a Solenidade de São José, uma conferência sobre os tetos pintados da Igreja Paroquial de São José, em Ponta Delgada, por Vítor dos Reis, professor da Faculdade de Belas Artes e curador de diversas exposições em Portugal. Com o tema “Visão, ilusão e vidência: os tetos pintados da Igreja de São José”, o especialista destacou o caráter único destas obras no contexto da arte barroca em Portugal e na Europa.
“Os tetos da Igreja de São José não são apenas uma manifestação artística, mas também uma expressão poética e religiosa, refletindo as influências visuais e culturais dos séculos XVII e XVIII” disse o investigador lembrando que “são também uma resposta individual e concreta aos vários desafios que este tipo de obras colocavam aos seus autores e mais importante ao seu público”.
“Enquanto imagens, e enquanto representações de alguma coisa, estas pinturas assentam na capacidade de dar a ver, tornando visível algo que se pretende mostrar; depois recorrem a todos os meios ilusionistas desenvolvidos pela pintura europeia pós renascentista- cor, textura, tonalidade- para criar o que considero ser um substituto do mundo real; por fim permitem tornar presente o que está ausente e transformar o observador numa testemunha de um mundo que está ausente”, enfatizou.
A pintura destes tetos, que cobre 650m2, é a maior e mais monumental pintura no arquipélago, única neste estilo, cobre as três naves da Igreja, sendo marcada pelo ilusionismo barroco e combina influências italianas e francesas. Em particular, observa-se a introdução tardia da corrente ilusionista italiana trazida por José de Oliveira Bernardes. Esse modelo rompeu com a tradição portuguesa do século XVII, inaugurando uma nova era na pintura sacra, disse ainda o investigador.
Uma das características mais marcantes dessas obras é a capacidade de transformar o espectador em testemunha de um mundo ausente, através do uso magistral da perspetiva, da cor e da luz.
O teto da nave central, cujo autor é desconhecido, tem como tema a representação do triunfo da Imaculada Conceição a qual surge pintada na abertura circular da abóbada da nave central, retratada num círculo celestial, que funciona como uma janela mística que permite ao fiel “ver” o divino.
“Esta abertura pretende funcionar como uma espécie de óculo ou telescópio místico, através do qual o crente, cá de baixo, observa o mundo celestial e todos os acontecimentos extraordinários que nele decorrem” disse Vítor dos Reis.
“Simbolicamente permite-nos ver de perto algo que estaria muito longe dos olhos humanos, que seria impossível de observar. O que vemos é a Virgem Imaculada a pairar no Céu, rodeada de anjos e Imaculada porque sem pecado original. Este tema é direta e indiretamente tratado nas cenas laterais, inscritas em cartel”, prosseguiu, salientando que esta pintura se inscreve na corrente imaculista, que em Portugal foi muito musculada devido à devoção popular afirmada e vivida no nosso país mesmo antes da proclamação pela Igreja do Dogma da Imaculada Conceição que só haveria de ser pronunciado pelo Vaticano a 8 de dezembro de 1854, na bula Ineffabilis Deus, do Papa Pio IX, que atesta e proclama que a Virgem Maria foi preservada do pecado original.
Além disso, a conferência abordou a pintura do teto da sacristia desta Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Convento de São Francisco.
Para Vítor dos Reis, os tetos barrocos exercem um efeito poderoso sobre o observador: transportam a alma para uma peregrinação visual, elevando o olhar para o sagrado e o transcendente.
A conferência trouxe uma reflexão profunda sobre a arte barroca nos Açores, revelando a riqueza e a complexidade de um património artístico que continua a encantar e desafiar o olhar contemporâneo.
“Por via destas pinturas, o observador é convidado a olhar para cima e vai sendo arrebatado e impelido a elevar-se e a voar. Estas imagens conduzem-nos assim numa espécie de peregrinação visual, em direção a um mundo que tem tanto de sagrado como de irreal. É neste transporte da alma raptada ao observador que os tetos barrocos encontram o seu sentido e através dele exercem o seu poder”, concluiu o docente da Faculdade de Belas Artes.
A abertura da conferência foi feita por Francisco de Almeida Medeiros, membro da equipa da Cultura de São José e a moderação da conferência foi assegurada por Brandão da Luz, professor catedrático jubilado da Universidade dos Açores.
Esta conferência insere-se no programa do Ciclo de Conferências que assinalam os 500 anos do Convento de São Francisco, uma iniciativa da paróquia de São José que conta com o Alto Patrocínio da Presidência da República e da Presidência do Governo Regional dos Açores, integrando-se no tempo preparatório das comemorações dos 500 anos da Diocese de Angra.
Conferência: “Visão, ilusão e vidência: os tectos pintados da Igreja de São José”