No dia 18 de Novembro de 1964 foi aprovado o atual texto da Lumen Gentium após uma votação de 2096 votos positivos e 23 votos negativos, resultado de um longo debate e amadurecimento dos padres conciliares e de dois esquemas precedentes, de 1962 e 1963, além de uma riquíssima pré-história de movimentos.
Passaram 50 anos e as conquistas são incontornáveis acerca da noção de Igreja, por isso merecem toda a nossa atenção, estudo e vivência.
A Constituição Dogmática Lumen Gentium constitui-se como o documento principal e fundante do Concílio Vaticano II. Os esforços, as polémicas, e as redações sucessivas são sinal evidente da consciência que os padres conciliares tiveram da centralidade do mesmo. Pela primeira vez, no curso da História dos Concílios, refletiu-se sistematicamente acerca da própria Igreja, sem, no entanto, quebrar com a genuína tradição, a sua história, memória e experiência cristãs. Não é uma Constituição onde se possam resolver todas as questões eclesiológicas, mas onde todas elas podem ser enquadradas. Aliás, todo o Concílio é eminentemente eclesiológico. Organiza-se em oito capítulos fundamentais orientados em dípticos. Os primeiros dois expõem o mistério da Igreja, sua radicalidade trinitária e realização histórica. Os capítulos III e IV explanam a constituição da Igreja e os últimos quatro a sua vocação imanente, nomeadamente a vocação à santidade, e a consumação na totalidade. No centro do discurso colocam-se os fiéis batizados, como Povo de Deus, e não somente os clérigos, como era habitual.
Não é possível desenvolver em poucas linhas toda a sua riqueza, mas convém salientar algumas dimensões absolutamente centrais da compreensão eclesiológica: a Igreja como sacramento, a relação entre o seu mistério e a sua dimensão visível por meio de uma analogia de proporcionalidade com o Verbo Encarnado, a teologia do episcopado, o sentido da sua sacramentalidade e colegialidade, e de um modo especial a Igreja como comunhão. Contudo, há que ter cautela em relação a uma abordagem ingénua ou tendenciosa destas reflexões. A ideia de comunhão está sempre inserida num contexto hierárquico. Somente uma leitura superficial separa a dimensão mistérica da necessidade organizativa e visível. O problema desta antinomia é recorrente, o de absolutizar uma ou outra dimensão. Como afirma uma das notas explicativas prévias, a comunhão não significa um sentimento impreciso, mas uma realidade orgânica que exige uma forma jurídica e que está animada pelo amor. Hoje argumenta-se muito usando a autoridade do Vaticano II para justificar todos os tipos de pastoral, mas conhece-se pouco das suas páginas e entrelinhas.
Pe Hélder Miranda Alexandre