Cerimónia de trasladação do corpo de Sophia de Mello Breyner Andresen agendada para quarta feira

Escritora gostava das ilhas e em 77 escreveu “Açores”, publicado no livro O Nome das Coisas.

A escritora Sophia de Mello Breyner Andresen, cuja trasladação do corpo para o Panteão Nacional se realiza na quarta-feira, 10 anos depois da sua morte, é “uma das grandes referências cívicas” de Portugal, afirmou o presidente do PEN Clube Português, Casimiro de Brito.

 

“Sophia foi a maior poetisa do século XX e vai ficar para sempre na literatura portuguesa. Além disso, é um exemplo cívico e de qualidade humana”, disse à Lusa o escritor Casimiro de Brito.

 

Numa homenagem à poetisa, realizada no passado dia 26, no Porto, cidade onde nasceu, o seu filho, o escritor Miguel Sousa Tavares, afirmou que “a melhor homenagem que se pode fazer à escrita de Sophia, dez anos após a sua morte, é reconhecer que ela continua deslumbrantemente atual”.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen faleceu aos 84 anos na sua residência em Lisboa, dez dias antes de receber a Medalha de Honra do Presidente do Chile, por ocasião do centenário do nascimento de Pablo Neruda. Ao longo da sua carreira, foi condecorada três vezes pela República Portuguesa.

 

Desde os doze anos que escrevia versos e, em 1940, por intermédio de Luís Forjaz Trigueiros, que integrava o círculo de amigos dos verões na Granja, publicou os seus primeiros poemas nos “Cadernos de Poesia”, que Ruy Cinatti, Tomaz Kim e José Blanc de Portugal tinham acabado de fundar.

 

O primeiro livro, uma escolha dos muitos poemas que então já escrevera, saiu em 1944, tinha Sophia 25 anos, numa edição de 300 exemplares financiada pelo pai. Chamava-se apenas “Poesia” e, na sua concisa e despojada perfeição, continua a ser um dos mais espantosos livros de estreia da poesia portuguesa contemporânea.

 

Além da literatura infanto-juvenil, com oito títulos editados, e da poesia, com 21 publicados, Sophia de Mello Breyner Andresen escreveu ensaio – “O Nu na Antiguidade Clássica” -, e teatro – “O Bojador” e “O Colar”, esta última levada à cena em 2002 pela companhia A Cornucópia.

 

Em 2012, a Porto Editora publicou um conto inacabado da autora, “Os Ciganos”, ao qual o seu neto Pedro Sousa Tavares deu continuidade, contando com ilustrações de Danuta Wojciechowska.

 

Além dos 37 títulos publicados nas diferentes áreas, e de nove antologias, da autora há ainda vários poemas e textos dispersos.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen destacou-se igualmente como tradutora de Dante, Paul Claudel, William Shakespeare, Leif Kristianson, Eurípedes, entre outros autores. A tradução de Dante valeu-lhe uma condecoração do Governo italiano.

 

A política não passou ao lado da vida da escritora, que lutou pela defesa da liberdade e da justiça, tendo sido deputada na Assembleia Constituinte, em 1975, eleita pelo Círculo do Porto, na lista do PS.

 

Assumiu-se como opositora à ditadura do Estado Novo e como antissalazarista. Pertenceu à equipa de fundadores da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos e, em 1975, foi eleita deputada pelo Partido Socialista à Assembleia Constituinte, pelo círculo do Porto.

 

Sem nunca ter deixado de ter um olhar crítico e atento, preferiu, nos últimos anos, afastar-se da política ativa, tendo admitido “uma certa desilusão”. Em 1979 abandonou formalmente o PS.

 

Acerca dos políticos afirmou: “Têm a mania de construir de mais, mas a boa política é aquela que só faz o necessário”.

 

Mas nunca deixou de intervir sempre que achou que as causas o justificavam.

 

Para citar apenas alguns exemplos, recorde-se o texto que redigiu, em 1991, para um abaixo-assinado a favor da causa timorense, que envolveu nomes como Maria Barroso e Natália Correia, e instituições como a Cruz Vermelha e a Assistência Médica Internacional. “A muitos Timor parecerá pequeno e distante. No entanto, é em Timor que neste momento se trava a luta pela dignidade humana”, escreveu então.

 

Foi também Sophia quem redigiu o texto de introdução a um abaixo-assinado apelando à interdição das minas antipessoal, lançado pela Cruz Vermelha durante a Expo’98. Na altura, em declarações ao jornal PÚBLICO, explicou que aceitara o convite da Cruz Vermelha porque “o problema das minas é um dos grandes horrores da nossa época”. E acrescentou: “Hoje em dia, aceito muito poucas coisas, e só as que são importantes para muita gente.”

 

Essencialmente, o que sempre a moveu foi o combate pela dignidade.

 

Mulher de fé – defendeu que a religião não condiciona o humano, “mas funda-o” – foi casada com o advogado e jornalista Francisco Sousa Tavares, falecido em maio de 1993, de quem teve cinco filhos.

 

A poetisa gostava de escrever sobre o verde, o mar, as ilhas, o amor e o trágico, mas não gostava que lhe perguntassem porque é que escrevia.

 

“O verdadeiro artista não inventa, vê”, afirmou numa das muitas entrevistas que deu, explicando que o artista “consegue apreender na natureza, nos elementos, o elo primordial que une o Homem ao Universo”.

 

“Quem escreve sobre uma árvore, entra em ligação com ela”, referia.

Em 1989, foi distinguida com o Prémio D. Dinis pelo livro de poesia “Ilhas”, que também recebeu, no ano seguinte, o Grande Prémio de Poesia Inasset/Inapa.

 

Aliás, já em 1977, no livro “O Nome das Coisas”, Sophia escrevia assim sobre os Açores: Açores/ Há um intenso orgulho/ Na palavra Açor/ E em redor das ilhas/ O mar é maior/ Como num convés/ Respiro amplidão/  No ar brilha a luz / Da navegação / Mas este convés / É de terra escura / É de lés a lés / Prado agricultura / É terra lavrada / Por navegadores / E os que no mar pescam / São agricultores / Por isso há nos homens / Aprumo de proa / E não sei que sonho / Em cada pessoa / As casas são brancas / Em luz de pintor/ Quem pintou as barras / Afinou a cor / Aqui o antigo / Tem o limpo do novo / É o mar que traz / Do largo o renovo/ E como num convés / De intensa limpeza / Há no ar um brilho / De bruma e clareza / É convés lavrado / Em plena amplidão / É o mar que traz / As ilhas na mão / Buscámos no mundo / Mar e maravilhas / Deslumbradamente /Surgiram nove ilhas (…)

 

Em 1977, “O nome das coisas” valeu-lhe o Prémio Teixeira de Pascoaes e, em 1984, a Associação Internacional de Críticos Literários entregou-lhe o Prémio da Crítica pela totalidade da obra.

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