Por Carmo Rodeia
Sempre que utilizo o verbo cativar vem-me à lembrança o diálogo entre a Raposa e o Principezinho, quando este lhe pergunta reiteradamente o que significa “cativar” e ela responde que se trata de algo esquecido no mundo, mas que significa criar laços. E, a partir dali, estabelece-se todo um diálogo entre o sábio bicho e o pequeno príncipe que termina, neste capítulo assim: “Tu não és nada para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E Não tenho necessidade de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Aos teus olhos não passo de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. Eu serei para ti única no mundo(…)”. E o diálogo prossegue com uma profundidade que disserta sobre o planeta e as relações que se estabelecem nesta enorme casa comum, como se não houvesse amanhã.
Este diálogo fez-me pensar duas coisas: de facto até pode não haver amanhã, pelo menos da forma que conhecemos o mundo e poucos somos os que cativamos ou nos deixamos cativar porque também nas relações temos uma visão muito instrumental da vida.
Esta semana, tal como a que passou e muito provavelmente a que se seguirá, estamos cativos do estado de humor do Presidente norte-americano que por agora se terá deixado cativar pela opinião de Tucker-Carlson, jornalista da Fox News, desencorajando-o a entrar numa guerra com o Irão não pelo que essa guerra significaria para toda a humanidade, mas porque era uma má opção para a sua reeleição. Ao que parece este objetivo terá sido suficientemente decisivo para que o Senhor Trump encolhesse a sua fúria e desse o dito por não dito, depois de várias ameaças e murros na mesa sobre a disponibilidade bélica dos Estados Unidos para enfrentarem uma guerra com uma potência nuclear, com quem sempre estiveram mais ou menos amuados, umas vezes com mais, outras com menos razão. Com consequências para todo o mundo. Como sempre. E não pelas melhores razões. Ao contrário da Raposa e do Principezinho, que compreenderam que estarmos em relação é bom; que aumenta as nossas possibilidades enquanto humanidade e que quanto melhor forem as relações mais possibilidades há de diálogo e de desenvolvimento, duas palavras que rimam bem com a Paz, na relação entre Washington e Teerão duvido que haja essa perceção. E a desconfiança foi agravada quando cinco navios comerciais (dois sauditas, dois dos Emirados Árabes Unidos e um norueguês) foram “vítimas” de um “ataque de sabotagem” junto à costa do Emirado.
O suposto ataque, cujas circunstâncias não são conhecidas e que levantam ainda mais perguntas do que oferecem respostas, foi atribuído ao Irão pelos Emirados e pelos EUA. E, a partir daí, tudo escalou e ambos os lados estão a movimentar-se como se se preparassem para um cenário de guerra. Até hoje, e apesar de várias declarações ambíguas de parte a parte, nenhuma inspeção deu conta de o Irão estar a desrespeitar a sua parte do acordo.A questão é que, desde a revolução de 1979, que afastou o xá Mohammad Reza Pahlavi (então aliado dos EUA, em plena Guerra Fria) e instalou o aiatola Ruhollah Khomeini no poder, Washington mudou de agulha com Teerão. Até porque Teerão mudou de agulha na política externa, passando a olhar para a vizinhança como potenciais zonas de expansão para a revolução islâmica — o que, neste caso, é sinónimo de xiita, quando os principais aliados dos EUA são a Arábia Saudita e os Emirados, de maioria sunita. O resto é geopolítica dominada por um só desejo: poder e dominar.
Não é disto que gostamos de ficar cativos. Não é disto que a Raposa e o Principezinho, certamente, falavam. Bem pelo contrário! E por causa desta ânsia haverá, como no diálogo, mais raposas a caçar galinhas e homens a caçar raposas. Se houver amanhã…