Por Carmo Rodeia
Depois do Mediterrâneo, agora as atenções mediáticas viram-se para o túnel da Mancha, o canal que liga o velho continente europeu à Grã Bretanha e que para muitos constitui, por estes dias, uma tentativa de caminho para uma vida melhor.
Estamos na proclamada silly season, altura em que não deveríamos falar de coisas sérias, mas as imagens que os media nos oferecem não dão as tréguas próprias do verão. Bem pelo contrário.
Este fim de semana 1700 imigrantes foram impedidos de chegar ao túnel do canal da Mancha, entre a noite de domingo e segunda-feira.
O eurotúnel, que liga a França ao Reino Unido, vem sofrendo tentativas massivas de invasão, há semanas, de imigrantes que querem passar para o lado britânico, arriscando uma vez mais a vida como outros fazem atravessando o Mediterrâneo.
A Europa continua a ser, apesar de todas as crises, que têm contribuído para o seu progressivo desmantelamento, o el dourado para muitos povos.
Estima-se que seja porta de entrada para 560 mil imigrantes ilegais todos os anos, segundo dados do relatório da Comissão Mundial sobre as Migrações Internacionais (CMMI).
Atualmente, vivem 56, 1 milhões de estrangeiros no continente europeu, o que representa 7,7% da sua população, num total de 200 milhões no mundo, incluindo 9,2 milhões de refugiados. E vivem na Europa porque a Europa os acolheu quando precisou deles, sobretudo para fazerem o que os Europeus não gostavam ou não queriam, por muito menos dinheiro.
A realidade dos números é fria, mas expressiva. Se nos fixarmos no essencial- a dignidade humana, um valor fundador da União Europeia- ficaremos mais atordoados.
Atrás de cada número há uma pessoa, uma familia que tem uma história de vida, que somada a outras, vem desafiar a Europa para um combate às consequências de um problema que, sistematicamente, tem sido incapaz de resolver: a onda de conflitos no Médio Oriente; a pressão demográfica em África; a proliferação da “indústria” do tráfico humano e as suas próprias para gerir de forma correta as suas fronteiras.
Cumprindo o velho ditado de “casa roubada, trancas à porta”, a Europa insisite em encarar este problema humanitário com uma resposta meramente policial, sem ambições de outra natureza para além da securitária.
Ainda hoje a agência europeia de controlo fronteiras indicou que vai contratar empresas privadas para participarem nas patrulhas no Mediterrâneo. Como se, deter os barcos acabasse com o problema.
Não seria tempo de unir esforços para construir uma política externa e de segurança comum, robusta e que não navegue ao sabor da geopolítica de geometria tão variável quanto os interesses egoístas de cada estado membro ditam?
O grande sonho da União Europeia residiu na esperança de que, depois de tantas guerras civis, conseguissemos perceber que só é possível vivermos em conjunto respeitando a dignidade de todos.
O que vemos nas imagens que os media nos mostram, desde os campos de refugiados improvisados em Lampedusa, em Itália ou os de Calais, em França, estes últimos conhecidos como a Selva, onde se estima que vivam cerca de 5 mil pessoas, sem água potável, sem um teto e sem comida para além da que é providenciada uma vez por dia por instituições locais de caridade, é bem diferente desse principio básico que fez do projeto europeu uma proposta irrecusável.
Numa Europa sem alma nem rumo, que confunde cansaço com concordância e com medo, e que insiste em tratar pessoas como coisas, descantando-as sempre que possivel, logo que não interessem, até quando conseguiremos evitar a nossa própria auto derrota?