Dezenas de bailinhos protagonizados por 60 grupos percorrem 30 salões até terça feira
O carnaval, que se celebra por estes dias em vários países, é uma festividade ligada à data da Páscoa, uma dimensão desde logo vincada pelo seu caráter móvel e pela origem da sua designação.
A Páscoa é celebrada no domingo após a primeira lua cheia que se siga ao equinócio da primavera, no hemisfério norte, pelo que o carnaval acontece entre 3 de fevereiro e 9 de março, sempre 47 dias antes.
A Igreja viria a alterar e adaptar práticas pré-cristãs, relacionando o período carnavalesco com a Quaresma: uma prática penitencial preparatória à Páscoa, com jejum começou a definir-se a partir de meados do século II; por volta do século IV, o período quaresmal caracterizava-se como tempo de penitência e renovação interior para toda a Igreja, por meio do jejum e da abstinência.
Tertuliano, São Cipriano, São Clemente de Alexandria e o Papa Inocêncio II contestaram fortemente o carnaval, mas no ano 590 a Igreja Católica aprova que se realizem festejos que consistiam em desfiles e espetáculos de caráter cómico.
No séc. XV, o Papa Paulo II contribuiu para a evolução do Carnaval, imprimindo uma mudança estética ao introduzir o baile de máscaras, quando permitiu que, em frente ao seu palácio, se realizasse o carnaval romano, com corridas de cavalos, carros alegóricos, corridas de corcundas, lançamento de ovos, água e farinha e outras manifestações populares.
Sobre a origem da palavra Carnaval não há unanimidade entre os estudiosos, mas as hipóteses “carne vale” (adeus carne) ou de “carne levamen” (supressão da carne) remetem para o início do período da Quaresma.
A própria designação de entrudo, ainda muito utilizada, vem do latim ‘introitus’ e apresenta o significado de dar entrada, começo, em relação a esse tempo litúrgico.
Na diocese de Angra, nos Açores, o Carnaval é particularmente vivido na ilha Terceira.
Entre hoje e terça-feira de Carnaval, dezenas de grupos amadores percorrem a ilha atuando, de forma gratuita, em mais de 30 salas de espetáculos, até de madrugada, com manifestações que aliam a música ao teatro em rima.
Este ano esperam-se quase 60 grupos, divididos entre danças de pandeiro, danças de espada, bailinhos e comédias, envolvendo mais de 1.300 músicos, dançarinos e atores, em que se incluem quatro grupos de emigrantes dos Estados Unidos da América e do Canadá.
Segundo César Toste, além dos turistas, sobretudo norte-americanos com ligação à base das Lajes, o Museu do Carnaval é visitado pela população da ilha, que tem “grande orgulho” nesta tradição e que se emociona muitas vezes ao encontrar uma fotografia ou uma peça de vestuário de um familiar já falecido.
“Arrisco-me a dizer que o Carnaval é mais importante do que o Natal aqui na nossa ilha. As pessoas vivem tanto e despendem tanto do seu tempo, que sentem que o Carnaval é, de facto, algo que faz muito parte delas”, salientou.
Na vila das Lajes, na ilha Terceira, há mesmo um museu que celebra o Carnaval durante todo o ano, há mais de uma década, mas que ainda é pouco visitado por quem chega de fora.
“A adesão dos turistas podia ser maior. É pouco conhecido. Este museu neste momento está no processo de entrar na rede de museus dos Açores e oxalá que a partir daí seja mais conhecido”, salientou, em declarações à Lusa, César Toste, presidente da Junta de Freguesia das Lajes, responsável pelo espaço.
Há cerca de 10 anos, o anterior presidente da junta de freguesia adquiriu uma casa típica do Ramo Grande (zona onde se inclui a vila das Lajes) e criou um museu, sobretudo com doações de pessoas de toda a ilha e emigrantes, e com os acervos de dois investigadores das danças e bailinhos de Carnaval da ilha Terceira, Augusto Gomes e José Orlando Bretão.
Pelo Museu do Carnaval passam por ano entre 200 e 300 pessoas, muito menos do que os milhares de espetadores que enchem todos os anos os salões e sociedades recreativas da Terceira.
O museu divide-se em quatro salas, uma dedicada às danças de espada, outra dedicada às danças de pandeiro, aos bailinhos e às comédias, outra que destaca a investigação e os escritores e, por fim, a cozinha, onde se recorda a doçaria típica da época (filhós, coscorões e rebuçados) e a forma como as casas senhoriais eram enfeitadas antigamente para receber as atuações das danças.
O espaço mostra a evolução das roupas utilizadas pelos diferentes géneros de danças ao longo de décadas, acessórios, como apitos e chapéus, instrumentos musicais, livros, vídeos e assuntos (textos teatrais).
As exposições incluem, por exemplo, um assunto de 1939 e a roupa de um mestre de uma dança de espada de 1966, mas muito mais haveria para mostrar se houvesse espaço, porque a população continua a oferecer lembranças da sua passagem pelo Carnaval.
Segundo César Toste, a junta de freguesia pretende ampliar o espaço, mas por enquanto não tem verbas disponíveis, até porque investiu recentemente na melhoria dos quadros descritivos do equipamento.
É na vila das Lajes que reside Hélio Costa, autor de assuntos de Carnaval que dá nome ao museu e que só este ano escreveu mais de quatro dezenas de textos, para a ilha Terceira e para a diáspora, onde também se organizam danças e bailinhos.
Este ano, saem das Lajes dois bailinhos, duas danças de pandeiro e uma dança de espada, a única da ilha, organizada pelo presidente da junta de freguesia, que participa também como mestre da dança.
Ao contrário das danças de pandeiro ou dos bailinhos, a dança de espada não pretende fazer rir, mas há cada vez menos grupos a seguir este género, que é mais exigente, desde a dança ao teatro, passando pelo vestuário, que pode custar entre 300 e 500 euros por pessoa.
César Toste é um dos impulsionadores da continuidade destas danças, que são as mais antigas, e, além do gosto que sente ao pisar os palcos, encara a sua participação como uma “responsabilidade social”, para evitar que elas desapareçam.
A folia dura até terça feira. Quarta feira, dia 10, enterra-se o entrudo e começa a Quaresma que é um período de 40 dias, excetuando os domingos, marcado por apelos ao jejum, partilha e penitência, que serve de preparação para a Páscoa, a principal festa do calendário cristão.
Nos primeiros séculos, apenas cumpriam o rito da imposição da cinza os grupos de penitentes ou pecadores que queriam receber a reconciliação no final da Quaresma, na Quinta-feira Santa.
A partir do século XI, o Papa Urbano II estendeu este rito a todos os cristãos no princípio da Quaresma.
CR/LUSA/ECCLESIA