A frase é de Bento XVI, da Enciclica Caritas in Veritate e vem a propósito do aumento do fosso entre ricos e pobres, por causa da crise.
Esta segunda feira foi divulgado o relatório da Unicef “ As crianças e a crise em Portugal”. É o primeiro estudo sobre o impacto da crise entre as crianças e os adolescentes portugueses e de onde saem recomendações para a criação de uma estratégia nacional para a erradicação da pobreza infantil.
“Quando não há comida, os meus pais fazem isto: deixam de comer para dar à gente”, conta, um miúdo de 14 anos, pai desempregado. “A minha avó foi com a gente às compras e ela pagou as compras duma semana e coisas assim”, outro adolescente, 16 anos. E há ainda um miúdo de 9 anos, mãe desempregada, que diz: “O banco até já esteve a ameaçar os meus pais que ia tirar a casa.”
Estes relatos, na primeira pessoa, na boca de crianças, alertam-nos para as consequências práticas e quotidianas de vários anos de desinvestimento nas políticas públicas de apoio à família, com consequências e médio e longo prazo, absolutamente devastadoras.
A taxa de risco de pobreza em Portugal aumentou, em 2012, para 18,7%, afetando quase dois milhões de portugueses. Nesse ano, as pessoas que se encontravam no limiar do risco de pobreza viviam com uma média de 4904 euros anuais, pouco mais de 400 euros mês.
O retrato em números mostra que, em 2011, havia 560 mil crianças em risco de pobreza e exclusão social, ou seja, uma em cada três crianças encontrava-se em risco. Nas famílias de casais com filhos, em que um dos adultos está desempregado, o risco de pobreza atingia 34,3%. E se os dois adultos ficarem desempregados, o risco de pobreza sobe para 53,2% . Em Fevereiro do ano passado havia 26.374 indivíduos a viver em casal, em que ambos os cônjuges estavam desempregados.
“O stress causado pela falta de dinheiro e a incerteza em relação ao futuro afeta não só o relacionamento entre o casal, mas também o relacionamento entre pais e filhos, que, em casos extremos, poderá levar a situações de negligência ou mesmo de violência”, alerta o relatório.
Poderia continuar a debitar números, todos eles piores mas bem menos chocantes que a história de cada um desses números, de cada uma dessas crianças e das suas famílias.
A crise do Estado Providência- ao nível financeiro, social e político- obriga á ação. A lógica universalista indiferenciada não resiste às situações reais de carência. A pobreza e a exclusão social exigem novas atitudes, ligadas à justiça distributiva e à organização do mercado.
O que é que podemos fazer para vencer a crise? A resposta pode não estar em nenhuma página dos Evangelhos, mas os cristãos terão de encontrar, em cada momento, a resposta mais adequada. Jesus formulou uma religião humanista. O Deus com que ele vive impele-o a servir os seres humanos e que estes se coloquem uns ao serviço dos outros. Isso significa dar aos outros, sobretudo aquilo que também nos faz falta. Alguém acredita que isso está a ser feito?