D. Manuel Clemente foi recebido no dia em que a manchete do Expresso dá nota de uma denúncia de 12 padres suspeitos de abuso de menores
O cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, foi hoje de manhã recebido pelo Papa Francisco a propósito dos acontecimentos das últimas semanas, relacionados com suspeitas de abusos de menores na igreja em Portugal, revelou o Patriarcado.
Em comunicado, o Patriarcado de Lisboa diz que Manuel Clemente foi recebido, a seu pedido, “em audiência privada”.
“O encontro, pedido pelo Cardeal-Patriarca de Lisboa, realizou-se num clima de comunhão fraterna e num diálogo transparente sobre os acontecimentos das últimas semanas que marcaram a vida da Igreja em Portugal”, acrescenta a nota.
Esta audiência ocorreu no dia me que o jornal Expresso divulga que, além do patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, também o bispo da Guarda, Manuel Felício, e o bispo emérito de Setúbal, Gilberto Reis, terão tido conhecimento de queixas de abusos por parte de padres e não comunicaram essas suspeitas nem à Polícia Judiciária nem ao Ministério Público, as autoridades civis com competência para investigar este tipo de crimes.
Na semana passada, depois de uma notícia do jornal Observador, que revelou que o patriarca de Lisboa tinha tido conhecimento de uma denúncia de abusos sexuais de menores relativa a um sacerdote do Patriarcado e chegou mesmo a encontrar-se pessoalmente com a vítima, mas optou por não comunicar o caso às autoridades civis e por manter o padre no ativo com funções de capelania”, Manuel Clemente escreveu uma carta aberta a explicar a situação.
No documento, assegurou que “desde a primeira hora” deu instruções, no Patriarcado, “para que a Tolerância Zero e a Transparência Total sejam regra conhecida de todos” quanto ao abuso de menores.
Numa carta aberta – em que procurou esclarecer o que “testemunhou” no caso do padre acusado de abuso denunciado em 1999 ao anterior patriarca (José Policarpo) -, Manuel Clemente diz aceitar que “este caso e outros do conhecimento público e que foram tratados no passado, não correspondem aos padrões e recomendações que hoje” todos querem “ver implementados”.
Segundo Manuel Clemente, o seu antecessor “acolheu e tratou o caso em questão tendo em conta as recomendações canónicas e civis da época e o diálogo com a família da vítima. O sacerdote foi afastado da paróquia onde estava e nomeado para servir numa capelania hospitalar”.
“Uma vez patriarca, marquei um encontro com a vítima, encontro esse que foi adiado a pedido da mesma”, escreve Manuel Clemente, acrescentando que, em 2019, pediu um novo encontro à vítima, com quem conversou presencialmente: “A sua preocupação era a não haver uma repetição do caso, sem desejar de forma expressa, a sua divulgação”, refere.
O cardeal entende não ter estado “perante uma renovada denúncia da feita em 1999”: “Se assim tivesse sido, a mesma teria sido remetida à Comissão Diocesana, criada por essa altura, e teriam sido cumpridos todos os procedimentos recomendados à data”, justifica.
Na edição de hoje, o jornal Expresso escreve que também o bispo da Guarda, Manuel Felício, e o bispo emérito de Setúbal, Gilberto Reis, terão tido conhecimento de queixas de abusos por parte de padres e não as comunicaram nem à Polícia Judiciária nem ao Ministério Público (MP).
No caso da Guarda, trata-se de queixas relativas ao comportamento do padre Luis Mendes (vice-reitor do seminário do Fundão). O caso acabou denunciado à PJ pelos pais das vitimas, mas a PJ descobriu depois que um mês antes já o bispo teria tido conhecimento
Escreve o Expresso que a equipa da PJ, naquela altura, já tinha fortes suspeitas de que havia uma operação de encobrimento por parte das mais altas instâncias da diocese da Guarda no sentido de protegerem o padre, que acabou condenado, com sentença confirmada por dois tribunais superiores, incluindo o Supremo Tribunal de Justiça, em 2017.
No caso de Setúbal, terá sido Gilberto Reis — bispo desta diocese entre 1998 e 2015 — quem recebeu queixas contra um padre que ainda hoje está no ativo. Na resposta ao jornal, a diocese diz que “existiu uma averiguação canónica organizada pelo bispo à data, com audição de todas as partes envolvidas, ou seja, o alegado perpetrador e as alegadas vítimas”.
O padre suspeito esteve suspenso entre 2008 e 2015, enquanto a investigação canónica decorreu e, depois – segundo a diocese – “o decreto emanado pelo Vaticano, após a conclusão do processo canónico, permitiu que o sacerdote em causa voltasse a exercer o seu ministério, com o ofício de pároco”. Na mesma resposta, a diocese admite que “não foi feita uma participação ao Ministério Público”.
O Expresso escreve ainda, citando uma fonte judicial, que há mais casos de queixas reportadas ao patriarca, que não as terá enviado às autoridades civis competentes.
A mesma fonte revela que os bispos Manuel Felício e Gilberto Reis e o cardeal Manuel Clemente não foram os únicos altos responsáveis a não dar seguimento às queixas que receberam de menores e que, pelo menos algumas delas, estão a ser investigadas pelo MP depois de a Comissão Independente as ter recebido.
(Com Lusa)