Entrevista ao Jornal Digital Observador.
D. Manuel Clemente fala da “corajosa” mensagem para o Dia Mundial da Paz, do Papa Francisco, dos desafios do sínodo da família e deixa uma mensagem de esperança aos portugueses “que souberam dar a volta à crise”.
O “despojamento e a simplicidade” dos primeiros tempos deveriam ser o mote para este Natal disse o Cardeal Patriarca de Lisboa ao Jornal Observador esta terça feira, numa entrevista longa onde aborda o problema da crise em Portugal.
Apesar de ver “com inquietação” a emigração, e de estar preocupado com um futuro em que seja mais difícil criar postos de trabalho, o Bispo de Lisboa diz que sente que os portugueses “conseguiram” dar a volta à crise e que o fizeram com uma dedicação muitas vezes inesperada.
“Ficamos espantados como de tão pouco se consegue tirar tanto para tanta gente”, diz, invocando a sua experiência com muitas organizações de solidariedade social ligadas à Igreja.
Também não se surpreende com a ausência de excessos, que tantos previram face às dificuldades enfrentadas.
“Há muita sabedoria acumulada” e, na sua ótica, “há um caldo de cultura que ajuda a ponderar, a perspetivar” e “coisas que se davam por adquiridas percebe-se que têm de ser conseguidas, conquistadas, com mais esforço. Isso é bom, é melhor do que aquela ideia de que tudo estava garantido”, diz D. Manuel Clemente.
Entre os temas que mais o preocupam está essa “geração inteira que está a chegar à altura em que devia entrar na vida ativa, com uma formação técnica e cultural como nunca houve antes, e que não tem possibilidades de o fazer aqui”, sublinha na entrevista a Maria João Avillez e José Manuel Fernandes, do Observador.
Causa-lhe também “grande perplexidade” a questão laboral, a falta de investimento, a evolução tecnológica, “todos os fatores que tornam mais difícil criar muitos postos de trabalho”.
“Um montão de problemas, que se liga também ao facto de longevidade crescer”, desabafa, acrescentando que o preocupa a fragilização do mundo do trabalho, “essencial para dignidade humana”. É, diz-nos, um problema que não se coloca só a nós, mas também a outros, um problema que “é civilizacional”, frisa.
Mesmo assim, ao interrogar-se sobre se a humanidade caminha sempre no sentido positivo, lembra-se de uma frase do professor Padre Manuel Antunes: “Ele dizia que haverá sempre um mais, e esse mais, para quem tiver consciência e reflexão, será sempre importante se quisermos aprender com os erros para caminhar em frente com mais lucidez. Eu espero que seja assim”.
Sobre a mensagem para este Natal, que partilhará com os portugueses, D. Manuel Clemente remete para a mensagem do Papa para o dia Mundial da Paz.
“É uma mensagem que espero que seja lida com muita atenção, é sobre as escravidões que permanecem. Num mundo em que tanto se caminhou em termos de direitos humanos, pelo menos no que respeita a declarações, a verdade é que sobrevivem escravaturas de todo o tipo. Psíquicas, fisiológicas, físicas…”
Neste quadro, antecipa D. Manuel Clemente, toda a mensagem “vai no sentido de que pessoas livres libertarão, e que pessoas escravizadas, até escravizadas pelas suas paixões, pela sua mesquinhez, pelo seu materialismo, essas pessoas acabarão por ser opressoras”.
Trata-se de uma formulação que, segundo o Bispo de Lisboa lhe recorda, uma frase do fundador do cristianismo: “de que serve ao homem conquistar o mundo inteiro se se vier a perder a ele próprio”. “E esse é que é o problema”, acrescenta.
Desta reflexão parte para uma outra, a da necessidade de valorizar tudo aquilo que é verdadeiramente libertador e que não custa assim tanto dinheiro.
“Que formação é que nós temos para a fruição, não para o gasto?”, interroga-se, sublinhando que é possível fruir sem gastar, contrariando o hábito de consumir e deitar fora.
Sobre o Papa, diz que é “um homem encantador e corajoso”
“Espero que este Francisco dure muito e que a seguir venha um segundo e um terceiro, porque assim estamos bem. É muito positiva a forma como leva à desabituação de coisas que podiam ser dadas por adquiridas, mas que foram desaparecendo”.
Essas coisas, concretiza, podem ser as cruzes de ouro, que desapareceram, tal como estão a desaparecer os “carros com cauda”, algo que classifica como “importante”: “Claro que é sinalético, mas os sinais ajudam, sobretudo quando coincidem com o homem que ele é. E ele é um homem encantador”.
(Entrevista pode ser lida e vista na íntegra em www.observador.pt)