Por Carmo Rodeia
Agora é a sério e dói. Não é que em março não o tivesse sido e não tivesse doido igualmente, mas parece que assustados e incrédulos com o que estava a acontecer em todo o mundo éramos mais certeiros na acção. Até montámos hospitais de campanha com medo que os serviços de saúde regulares entupissem, o que não aconteceu na altura, felizmente, apesar do cansaço das equipas de saúde, que foram inexcedíveis ( e continuam a ser), apesar do contributo das Forças Armadas e das diferentes polícias, por causa do sentido de entreajuda entre a vizinhança, tudo corria sobre rodas. Depois veio o verão e o desconfinamento, apenas pontuado por alguns surtos mais graves que obrigaram a algumas cercas sanitárias e a medidas mais restritivas. Até que em outubro a curva começou a disparar e nunca mais parou.
Somos agora o sétimo país da União Europeia com a maior taxa de mortalidade por covid-19 e tudo porque quisemos celebrar o Natal e o Governo cedeu aliviando as restrições de circulação e de reunião e nós, cansados da solidão, resolvemos fazer viagens e convívios como se não houvesse amanhã. E agora não há mesmo, pelo menos nos próximos 30 dias. É o que nos dizem. Temos o dever de confinar salvo as excepções, que ainda são algumas.
Entre as medidas anunciadas pelo Governo ficam algumas reservas, que francamente não entendo.
Por exemplo as escolas vão permanecer abertas. Será mesmo para “não sacrificar ainda mais uma geração de alunos” ou será por questões financeiras? É que o encerramento das escolas, sobretudo nos níveis de base significa pais em casa e significa, acima de tudo, mais custos para a Segurança Social.
Depois, as lojas vão fechar mas os hipermercados e os supermercados não. Em bom rigor, estes vendem tudo (ou quase tudo) o que o comércio tradicional vende de porta para a rua. E não há, para já, indicação de restrições de horário. Qual é o objetivo sanitário de uma medida destas?
Se em março estávamos no inicio e, portanto, todos os experimentalismos eram admissíveis agora já temos um ano de experiência e não podemos voltar à estaca zero, como qualquer repetente.
A percepção desta incompreensível incapacidade de previsão e de antecipação não é boa para a serenidade e tranquilidade dos portugueses, que estão permanentemente a ser bombardeados pelas imagens das televisões e outras notícias. Não sei se teremos todos a capacidade e a frieza para receber, descodificar e valorizar só a informação que é necessária para, em cada momento, ajuizarmos e decidirmos.
Hoje mais do que nunca, no tempo de uma tempestade, precisamos de nos saber seguros das decisões que tomamos ou que são tomadas em nosso nome e do bem comum. Os órgãos de informação devem ser os primeiros a contribuir para este esclarecimento e escrutínio.
Já se sabia que janeiro ia ser mau. Que os serviços de saúde não tinham nem a frescura nem a capacidade de outros tempos. Que os profissionais estavam exaustos. Que no inverno as urgências ficam sempre entupidas com gripes, constipações e infeções respiratórias. Que com o vírus e as suas variantes, tudo se agrava e torna mais complicado. Os especialistas foram avisando, de forma clara e inequívoca.
Onde estão agora os hospitais de campanha de março? Onde estão os testes que entretanto são feitos de forma muito mais casuística e muito menos rigorosa?
A primeira vaga e a segunda ensinaram-nos que não nos salvamos sozinhos e qualquer solução tem de ser sempre conjunta. Mas também nos ensinaram que os experimentalismos são para amadores e os improvisos geram mortos. Mais do que aqueles que seriam admissíveis.