O presidente da Comissão Nacional de Justiça e Paz (CNJP) participou nas Jornadas de Outono promovidas pela Diocese de Angra. Juntamente com José Manuel Pureza, ex deputado do BE, reconheceu que a crise acentuou a pobreza e as desigualdades sociais.
O problema da pobreza é “um problema de política económica” e o grande dever dos cristãos é “exigirem a clarificação ideológica” dessa política e “combaterem-na”, afirmou o Presidente da Comissão Nacional de Justiça e Paz, Alfredo Bruto da Costa, que esta sexta feira participou nas Jornadas de Outono sobre “Estratégias e políticas de prevenção e erradicação da pobreza” promovidas pela Diocese de Angra, em Ponta Delgada.
Bruto da Costa reconhece que o problema da pobreza no país “é estrutural” mas a crise que Portugal atravessa “agravou-o” e terá “consequências irreversíveis” se não forem “tomadas medidas concretas”.
“O que é preciso é conciliar uma componente de mudança social que vá bulir com fatores causais da pobreza e, cumulativamente, desenvolver políticas públicas conciliadas com uma ação empenhada da sociedade civil”, disse o responsável nacional da CNJP.
Bruto da Costa lembrou que em Portugal 43% das famílias pobres são trabalhadoras, que um terço dos pobres são reformados e que, no último ano, os 25 mais ricos no país aumentaram a sua riqueza em 11%.
“Isto não é brincadeira” diz o especialista em questões sociais para quem a luta contra a pobreza, nomeadamente através de programas de erradicação da pobreza, “só fará sentido” se houver “uma alteração dos padrões de desigualdade” que neste momento “em vez de se reduzirem, acentuam-se”.
“Porque é que os ricos nunca se queixaram destes programas” questiona o Presidente da CNJP para dizer que “eles são inócuos porque não lhes dizem respeito nem tocam naquilo que é deles” e, por isso, “não os incomodam”.
Para Bruto da Costa enquanto os programas de luta contra a pobreza não “mexerem com a sociedade” e não se atuar na “redução das desigualdades sociais” a pobreza “continuará”.
“A solidariedade em Portugal é magnífica porque não custa nada” diz Bruto da Costa. Mas, a solidariedade “não se faz com sobras mas sim com justiça na caridade”, conclui.
“Nós estamos embalados por uma bicicleta que patina, em que as rodas rodam mas não saem do mesmo sítio”, adianta dizendo que, deste ponto de vista, por exemplo, a ação de instituições como o Banco Alimentar “é uma ofensa e uma perversidade à dignidade humana”.
No entanto, “enquanto não existirem políticas capazes de dar de comer a quem tem fome é bom que se continue a fazer isto, desta forma solidária”, conclui elogiando as campanhas do Banco Alimentar que “são importantíssimas”.
Aliás, Bruto da Costa sublinha a ação sócio-caritativa da Igreja, como resposta imediata à carência – “dai de comer a quem tem fome, de beber a quem tem sede e de vestir a quem anda nu- mas defende uma “intervenção clara” do Estado, na “definição de políticas publicas” que sejam capazes de “realizar o bem comum”.
“O Estado tem uma função social decisiva, que deve ser exercida de acordo com o principio da subsidiariedade e da descentralização”, conclui.
Este foi, de resto, o ponto de união entre as duas intervenções nesta Conferência de Outono levada a cabo pelo Serviço Diocesano de Apoio à Pastoral Social e Mobilidade Humana, nos Açores.
Para José Manuel Pureza os caminhos da igualdade devem ser trilhados por uma “responsabilidade partilhada na qual o Estado é o primeiro a garantir políticas públicas que atenuem as desigualdades”.
Para o investigador do Centro de Estudos Sociais o centro da questão está nas “escolhas de quem lidera o Estado” e, essas, “são políticas e têm tido consequências graves para o aumento da pobreza” que não acabará com a crise financeira.
“A crise é uma política e uma estratégia de reconfiguração completa do contrato social que vigorava no país e na Europa”, acrescenta o investigador, tocando sobretudo “os mais frágeis”.
Pureza lembrou, a este propósito, que a crise não afeta todos por igual.
“O empobrecimento da sociedade não está a ser feito da mesma maneira, pois há muitos que estão a perder tudo e poucos a ganhar muitíssimo”, adianta.
Para o investigador a crise está a servir, essencialmente, para “provocar uma mutação profundíssima no mercado de trabalho e nas relações laborais” e está a introduzir “novas armadilhas sociais como a precariedade”.
José Manuel Pureza insurgiu-se contra o discurso dominante de crítica à subsidiodependência.
“Esse discurso de cátedra esquece que os verdadeiros subsídio-dependentes sãos os donos das empresas com quem o estado tem parcerias público privadas e não aqueles que recebem uma prestação social para sobreviver”.
E acrescenta que esta “é a perfídia mais nefasta do ponto de vista do olhar social”.
À análise estrutural da pobreza e à definição de um caminho para a erradicar, feitos por Alfredo Bruto da Costa, José Manuel Pureza optou por uma análise da crise que atravessa o país e o mundo para terminar com “os ensinamentos” da Exortação Apostólica do Papa Francisco, Evangelli Gaudium.
“O princípio moral do nosso tempo é ouvir o clamor do pobre” lembra o ex deputado criticando este modelo de “economia que mata” e a “blindagem dos ouvidos sociais à pobreza porque não tem glamour nem conta histórias de sucesso”.
Elogiando o texto de Francisco por ser “corajoso no diagnóstico e nos caminhos apontados”, o ex parlamentar diz que há um “risco claro” de explosão social – “Não há democracias que subsistam com dois milhões de pobres”- e que são precisas novas políticas que se “coloquem ao serviço dos pobres devolvendo-lhes o que lhes cabe”.
Esta Conferência em jeito de debate, que contou com a participação da sociedade civil foi precedida de um encontro com as Misericordias e Instituições Particulares de Solidariedãde Social que decorreu durante a tarde, também em Ponta Delgada.
Esta foi a segunda conferência promovida pelo Serviço Diocesano de Apoio à Pastoral Social, na Diocese de Angra. A primeira teve lugar em Maio e abordou as questões económicas da pobreza.