Bispos anunciam criação de nova comissão para acompanhar vítimas

Foto: Agência Ecclesia

Conferência Episcopal Portuguesa vai realizar um memorial, na Jornada Mundial da Juventude

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) anunciou hoje em Fátima a criação de um “grupo específico” para dar continuidade ao trabalho de escuta das vítimas e recolha de eventuais denúncias de abusos sexuais de menores

“Estamos disponíveis para acolher a vossa escuta através de um grupo específico, que será articulado com a Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis”, indica o comunicado conclusivo da Assembleia Plenária Extraordinária desta sexta-feira, dedicada à análise do relatório final da Comissão Independente.

A 13 de fevereiro, em Lisboa, a Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal, designada pela Conferência Episcopal Portuguesa, apresentou o seu relatório final, após 12 meses de trabalho, no qual validou 512 testemunhos, apontando a um número de 4815 vítimas, entre 1950 e 2022.

O presidente da CEP precisou que o novo organismo segue as orientações da CI, que se articulava diretamente com os bispos, mantendo o “caráter de independência”, mas respondendo diretamente à coordenação nacional das comissões diocesanas.

“D.José Ornelas assumiu a intenção de manter o “modelo virtuoso” da CI, para apresentar uma nova equipa que “tenha credibilidade perante as vítimas” para acolher o seu testemunho.

O comunicado da CEP destaca o trabalho imprescindível das Comissões Diocesanas e da Equipa de Coordenação Nacional, propondo que “sejam constituídas apenas por leigos competentes nas mais diversas áreas de atuação, podendo ter um assistente eclesiástico”.

“Reafirmamos também o nosso firme propósito de tudo fazer para que os abusos não se voltem a repetir. Como sinal visível deste compromisso, será realizado um memorial no decorrer da Jornada Mundial da Juventude e perpetuado, posteriormente, num espaço exterior da Conferência Episcopal Portuguesa”, acrescenta a nota.

O presidente da CEP considerou importante “ter, num evento como a JMJ, uma chamada de atenção” para uma questão “transversal”, apontando o local dedicado à “reconciliação” (Parque da Perdão) como o espaço “adequado e justo”.

Após a JMJ Lisboa 2023 (1 a 6 de agosto), será elaborado um memorial “mais durável”, assumindo a proposta da CI.

“Foi-nos sugerido o arquiteto Siza Vieira, estamos conscientes disso e achamos uma boa solução”, adiantou D. José Ornelas, bispo de Leiria-Fátima.

Quanto a eventuais encontros com vítimas, o responsável católico sublinhou que “o recato das próprias vítimas é fundamental”.

“É com dor que, novamente, pedimos perdão a todas as vítimas de abusos sexuais no seio da Igreja Católica em Portugal. Este pedido terá um gesto público no próximo mês de abril, aqui em Fátima, no decorrer da próxima Assembleia Plenária. Agradecemos o trabalho da Comissão Independente pedido pela Conferência Episcopal Portuguesa, que tinha desde o início objetivos e prazos definidos.

“As conclusões e sugestões apresentadas estão a ser tidas em conta e faremos tudo o que for necessário, com firmeza, clareza e determinação, para uma cultura de cuidado e proteção dos menores e adultos vulneráveis” disse ainda.

Os bispos anunciaram a revisão das atuais diretrizes da Conferência Episcopal e dos planos de formação dos seminários e de outras instituições.

D.José Ornelas referiu que o novo documento orientador de formação vai ter em conta as questões levantadas pelo relatório da CI.

“Está prevista uma revisão de alguns pontos”, assumiu.

O comunicado da assembleia agradece o testemunho das vítimas, em muitos casos após “um silêncio guardado durante décadas”, assumindo que o “processo de reflexão e discernimento” vai continuar, nomeadamente na próxima reunião do Conselho Permanente e na Assembleia Plenária.

“Este relatório é uma peça muito importante para compreender a realidade, na Igreja e no país”, indicou D. José Ornelas, para quem o documento vem sublinhar “o caráter dramático” destas situações, distanciando-se das críticas ao mesmo, nalguns setores da Igreja Católica.

“Não podemos ter divisões a este respeito”, insistiu.

O presidente da CEP considerou que os trabalhos desta sexta-feira apontaram “uma série de direções” em que é preciso trabalhar.

“O caminho que fizemos, no interior da CEP, na decisão de clareza e transparência nestes processos, isso vai continuar”, reforçou.

Questionado sobre o apoio da Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores (Santa Sé), D. José Ornelas destacou a importância da colaboração com esta instituição e com outros organismos do Vaticano, como o Dicastério para a Doutrina da Fé.

Um eventual encontro com o Papa, disse ainda, “está em cima da mesa”, mas “não apenas por esta questão”.

Entretanto, a CEP anunciou que as várias dioceses e instituições religiosas vão analisar a lista de “alegados abusadores”, entregue em Fátima pela Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças.

“A lista com o nome dos alegados abusadores, hoje entregue pela Comissão Independente ao presidente da CEP e dirigida às Dioceses e aos Institutos de Vida Consagrada, terá o devido seguimento por parte dos bispos diocesanos e superiores maiores segundo as normas canónicas e civis em vigor”.

D. José Ornelas informou que as listas foram entregues a “cada diocese”, a quem compete dar início aos respetivos processos e analisar “as medidas apropriadas a tomar”.

“Para termos os elementos necessários, para dar andamento a um processo, precisamos de ter dados. A lista que nós hoje recebemos só tem nomes”, advertiu o bispo de Leiria-Fátima, considerando necessários elementos que permitam “outra caraterização”.

O responsável acrescentou que o documento carece de qualquer elemento da descrição da “acusação que é feita” contra cada nome referido.

“Torna-se difícil, essa investigação exige esforços redobrados”, admitiu.

Sobre eventuais suspensões preventivas, D. José Ornelas indicou que as mesmas dependem da “plausabilidade” da denúncia e do risco de “persistência de delitos”.

“Reconhecemos a necessidade de estruturas concretas para o seu acompanhamento espiritual, pastoral e terapêutico”, acrescenta o comunicado enviado à Agência ECCLESIA.

Questionado sobre as decisões a tomar sobre eventuais responsáveis pelo ocultamento de casos, D. José Ornelas insistiu na necessidade de processos claros, que permitam chegar “à verdade dos factos”.

“Não compactuamos com situações dessas, mas também não embarcamos em qualquer acusação de encobrimento”, sustentou, acrescentando que todos os casos “têm de ser analisados”.

O Vaticano disponibiliza desde 2020 um “vade-mécum” para ajudar os bispos e responsáveis de institutos religiosos no tratamento de denúncias de abusos sexuais de menores.

O documento preparado pelo Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF) surgiu depois dos pedidos feitos durante a cimeira para a proteção de menores, que o Papa promoveu de 21 a 24 de fevereiro de 2019, no Vaticano.

O DDF propõe aos responsáveis católicos um “manual” para “casos de abusos sexuais de menores cometidos por clérigos”, visando processos que envolvam bispos, padres e diáconos, de forma a uniformizar os procedimentos e estabelecer regras comuns, em vez de orientações.

O guia em 164 pontos, disponível online desde 2022, explica os procedimentos a seguir, desde a denúncia à conclusão da causa, falando numa “ferida profunda e dolorosa que pede para ser curada”.

As diretrizes da Conferência Episcopal Portuguesa para estes casos, datadas de 2020, sublinham que o bispo responsável deve dar seguimento a denúncias e à possível investigação prévia.

O presidente da CEP sublinhou que o encontro desta sexta-feira não representa “o fim de um processo”.

(Com Ecclesia)

 

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