Prelado Cabo-verdiano presidiu à festa de Nossa Senhora de Lourdes. No “Sermão da Pesqueira”, padre Luís Leal lembrou a grandeza dos antigos baleeiros e pediu aos lajenses que se inspirem neles para construírem “uma vila, uma sociedade centrada no essencial”
Terminou esta segunda-feira festa em honra de Nossa Senhora de Lourdes, no concelho das Lajes do Pico. A festa, que conta com uma procissão marítima e com o tradicional “sermão da pesqueira”, assim conhecido, hoje designado sermão no bote beleeiro, numa das paragens da procissão ao pé do porto, foi presidida por D, Ildo Fortes, bispo de Mindelo.
O prelado Cabo-verdiano desafiou a Igreja a “purificar-se e a ser santa” para cumprir cabalmente o projecto de Deus, que é ser no mundo “instrumento de salvação”.
Por isso, a partir do Evangelho proclamado este domingo, o prelado de Cabo Verde exortou os picoenses a responder à pergunta essencial que Deus colocou aos discípulos e a Pedro, em particular, quando quis saber o que pensavam dele.
“Quando todos e cada um de nós conseguir responder a esta questão será de Deus, porque se encontrou verdadeiramente com ele e pode ser sua testemunha” disse D. Ildo Fortes, ressalvando que é de Deus “quem escuta a sua palavra e faz a sua vontade”.
“Quem se encontra com Cristo nunca se sente sozinho e não perde a esperança” afirmou lembrando que mesmo num mundo de guerra e de tantos problemas “há sempre uma esperança” e Deus quer “que cada um de nós seja esse sinal de esperança” para a humanidade.
“Quando Deus formula esta pergunta é para saber se estamos ou não aptos a sermos seus instrumentos de salvação” referiu ainda o prelado que refletiu durante algum tempo, na homilia, sobre a santidade.
“Ser santo é corresponder à vocação a que Deus no chama em cada circunstância da nossa vida: sermos sérios, vivermos para Deus e para os irmãos, amar o próximo. Não tenhamos medo de ser santos” clarificou, salientando que a vocação da santidade tem de estar presente no mundo.
“A Igreja é santa porque é um instrumento de Deus e do projecto de salvação; não porque não peque, não porque não precise de purificação permanente” concluiu.
Da parte da tarde, realizou-se a procissão solene com o tradicional sermão em cima de um bote baleeiro, na zona marítima das Lajes.
O padre Luís leal, pároco da Ameixoeira, no Patriarcado de Lisboa, que já tinha pregado o novenário foi o orador, lembrando os antigos baleeiros desta vila, que se faziam ao mar na caça à baleia invocando a proteção da Senhora de Lourdes.
“A fé e a determinação levavam aqueles homens a enfrentar todas as adversidades que lhes eram impostas pelo tempo e pela fome, pelo mar e pela saudade”, numa “fatal e sangrenta chamarrita de mar, de dor e esperança” afirmou o sacerdote.
“Diante da tempestade e do terror da morte era o olhar sereno de Maria, senhora de Lourdes, quem lhes trazia a confiança de regresso ao abraço dos pais, dos filhos e da esposa”, acrescentou.
“Aquela Senhora que numa escura gruta aparecera, era agora no sombrio coração de cada homem no mar e de cada mulher em terra quem aparecia e brilhava para afugentar o perigo e a fatídica foice que sobre cada um pendia”, disse ainda destacando os que perderam a vida na tentativa de conquista do pão de cada dia.
“Neste lugar da pesqueira, tão vincado na memória lajense, o sermão é hoje em rostos de baleeiros que nas rugas têm gravadas as marcas das ondas e onde o olhar arpoado no passado é lançado num presente que quer ser futuro e onde a fatídica dança é agora um bailado onde a funesta dor não atinge o animal nem o novo baleeiro. Mas aqui continua Maria, a Senhora de Lourdes, que nunca abandonou os seus filhos desta vila das Lajes” disse , invocando Maria como a senhora “que tantas vezes nos livra de tempestades de dor, que o quotidiano teima em nos conceder”, ainda hoje.
“Não percamos esforços com discussões do supérfluo e tenhamos a coragem de construir uma vila, uma sociedade centrada no essencial” salientou destacando a “união, o “amor” e a “confiança” como sinais da presença de Maria.
“Vivei esse amor na vossa família, com os colegas de escola, com os colegas de trabalho e de faina de cada dia, com os vossos vizinhos, com quem vos visita e de um modo especial com aquele que mais necessita desse amor, o mais esquecido pela sociedade”, disse.
“Honrarmos Maria, neste lugar da pesqueira, sobre este bote, não pode ser ficarmos presos ao passado vivido e sofrido, em terra e no mar, mas sim que o basalto negro que nos corre nas veias nos dê a resiliência dos nossos ancestrais. Que o mar imenso que nos enche a alma e o verde, tanto verde que nos indica a esperança não sejam melancólicas poesias, mas realidade que nos transforma e nos distingue como um povo que tem Cristo na sua bandeira e por isso um povo que da laje negra faz vida”, concluiu invocando a proteção da Senhora de Lourdes para todos.
A festa de Nossa Senhora de Lourdes é a última grande festa de verão na ilha do Pico e tem sempre um programa social, cultura e desportivo muito significativo a que na década se convencionou chamar “Semana dos Baleeiros”.