Papa emérito respondeu a perguntas de publicação alemã, lamentando falta de identidade católica nalgumas instituições da Igreja
Bento XVI recusou, num depoimento escrito para o mensário alemão ‘Herder Korrespondenz’, a ideia de uma “doutrina pura” na vivência da fé cristã.
“A ideia de uma fuga na doutrina pura parece-me completamente irrealista”, assinala o Papa emérito, numa intervenção replicada hoje pelo Vaticano.
O antigo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cargo que ocupou antes de ser eleito como sucessor de São João Paulo II, em 2005, afasta-se da conceção do Cristianismo como ideologia.
“O crente é uma pessoa que se interroga, uma pessoa que tem de voltar a encontrar, continuamente, a realidade da fé por trás e contra as realidades opressivas da vida diária”, escreve.
Para o Papa emérito, uma doutrina que existisse como “uma espécie de reserva natural, separada do mundo diário da fé e das suas exigências, representaria de alguma forma a renúncia à própria fé”.
“A doutrina deve desenvolver-se na fé e a partir dela, não em paralelo”, aponta.
Bento XVI lamenta ainda a falta de identidade católica nalgumas instituições da Igreja na Alemanha, como hospitais, escolas ou Cáritas.
“Muitas pessoas que participam em posições decisivas não partilham a missão interna da Igreja e, portanto, em muitos casos, obscurecem o testemunho desta instituição”, disse.
A intervenção aborda o conceito de “Amtskirche”, um termo alemão que pode ser traduzido como “Igreja institucional”.
“A palavra ‘Amtskirche ’foi cunhada para expressar o contraste entre o que é oficialmente exigido e o que é pessoalmente acreditado. A palavra ‘Amtskirche’ insinua uma contradição interna entre o que a fé realmente exige e significa e a sua despersonalização”, adverte o Papa emérito.
Bento XVI sustenta que é necessário um discurso com “o coração e o espírito”, com um verdadeiro “testemunho pessoal de fé” dos porta-vozes da Igreja Católica.
“Enquanto for apenas a entidade, e não o coração e o espírito, a falar nos textos oficiais da Igreja, o êxodo do mundo da fé irá continuar”, assinala.
A reflexão alude à “mundanização” das instituições católicas, um alerta que tem sido repetido pelo Papa Francisco, demasiado preocupadas com aspetos “de organização” e sem abertura para Deus.
Num tom mais pessoal, Bento XVI recorda os anos que se seguiram à sua ordenação sacerdotal, a 29 de junho de 1951.
“Se fui um bom sacerdote e pastor, não ouso julgar”, refere, acrescentando que tentou sempre “cumprir as exigências” do seu ministério.
(Com Ecclesia e Vatican News)