Por Carmo Rodeia
Mais de 70 mortos num camião numa estrada austríaca. 200 desaparecidos num naufrágio perto da costa Líbia. Os números sobre a vaga migratória para a Europa há muito tempo que assustam. Do mediterrâneo às fronteiras terrestres da Hungria e da Macedónia, sem esquecer a “selva” de Calais para ultrapassar o Canal da Mancha, não há dia que passe sem notícias trágicas de gente que procura os países da União Europeia para sobreviver à guerra, à fome, à prisão, à perseguição religiosa e a todos os tipos de abusos a que a irracionalidade humana pode conduzir.
Não é a primeira vez que falamos deste assunto. E temo, infelizmente, que não seja a última. Mas olhar os migrantes por estes dias, em que mais de 300 mil já chegaram à Europa, torna-se uma inevitabilidade. Muitos estão assutados, mas a verdade é que faltam respostas inteligentes, que tenham sobretudo por base uma “responsabilidade fraternal”, como lhe chamou o Papa Francisco.
As reuniões entre os líderes europeus, especialmente o eixo franco alemão (sempre este eixo) sucedem-se mas sem resultados concretos porque os interesses destes países nem sempre são coincidentes. E o problema é justamente este: olhar para os migrantes com base nos interesses de cada estado. O umbigo, que é como quem diz, a cultura do bem estar tornou-nos mais do que insensíveis ao grito de dor dos outros.
A união Europeia tem sido equívoca na sua política externa, que nunca foi capaz de definir, e sempre que precisou de intervir, fora das suas fronteiras, ou foi incapaz ou fê-lo sempre a reboque dos Estados Unidos.
Foi assim no apoio à queda do ditador Líbio Mohamar Kadhafi; ou quando apetrechou os opositores ao regime Sírio depois de tantos anos de estratégica aliança, contra o Irão e o Iraque; e voltou a ser assim quando se demitiu de uma solução conjunta para os refugiados destes conflitos ao deixar a forma de acolhimento ao livre arbítrio de cada estado membro.
O pecado é original: falta de uma política externa e de defesa comuns.
Qualquer solução tem de passar por uma resposta conjunta, com centros de acolhimento e financiamento conjunto, em termos transnacionais. Até agora era um problema de Itália e da Grécia. E nós todos olhávamos serenamente indiferentes. Agora que nos bate à porta, ficámos assustados.
A diferença entre a ficção e a realidade é que a primeira tem que fazer algum sentido para ser levada a sério. Já a realidade foi sempre ignorada. E, hoje, está longe de poder ser levada a sério de tão ridiculamente desumana que é.
No domingo, recriminando o tráfico de pessoas e pedindo uma “cooperação inteligente” entre os estados, o Papa lançou um desafio a todos os cristãos para “acolherem”. O apelo de Francisco está a ser colocado em prática pelo arcebispo de Turim (norte de Itália), Monsenhor Cesare Nosiglia, que pediu a cada paróquia da região para acolher cinco refugiados.
À Igreja não cabe fazer tudo. Desde logo porque não pode. Mas profeticamente deve adiantar-se nos gestos. É um bom inicio de vivência do próximo Ano Santo da Misericórdia.