As Rosas de Edimburgo

Pelo padre José Júlio Rocha

Já cheguei àquela idade, razoavelmente triste, em que se perdem amigos não porque se brigou, não porque se partiu para uma terra longínqua, nem sequer porque há amizades que nunca passam, mesmo que se fique um ano ou dois sem se falar. Simplesmente perdem-se amigos porque os amigos vão morrendo. E essa é a forma mais cruel de perder um amigo de vista.

Ainda na semana passada estive três dias na Graciosa, com amigos: éramos três, padres já de meia-idade, colegas de seminário. Nos anos oitenta do século passado, formámos, no seminário, uma equipa de futsal que, em mais de sessenta jogos, perdeu, salvo erro, duas vezes. Aqueles três dias na Graciosa foram cobertos de chuva, nevoeiro, humidade e muito calor. Passámos grande parte do tempo dentro de casa, em jogos de mesa, ping-pong ou, na maior parte das vezes, a conversar recordações e memórias, à guisa de “As Velas Ardem até ao Fim” de Sandor Marai. A amizade tem os seus segredos e um deles é nunca nos ofendermos com os silêncios e as ausências do outro. São bonitas as amizades velhas, curtidas pelos anos, que vivem de recordações e memórias antigas. Rir do passado é um dom raro e precioso.

Na passada segunda-feira celebrei o funeral de José Tomás da Cunha, professor e empresário, natural da Praia, na Graciosa, precisamente onde eu tinha passado três dias na semana passada. Prezei a sua amizade como se prezam as coisas raras. Gostávamos naturalmente um do outro, quase instintivamente, e cada encontro não passava ao nível seguinte sem o ritual de um abraço.

José Tomás ia à missa, religiosamente, quando eu paroquiava em São Pedro. No fim, quase sempre nos encontrávamos e havia uma pergunta, uma dúvida, um conselho a pedir, e eu pressentia estar diante de um homem profundamente sábio, de uma sabedoria que só é ultrapassada pela humildade de perguntar. Só os humildes são verdadeiramente sábios.

Há homens que são bons mas pouco mais fazem do que dar asas à sua bondade. Já é muito. Há homens maus, cruéis, capazes de passar por cima seja de quem for para obterem os seus objetivos, mas que têm sucesso na vida, são competentes e trabalhadores, constroem. E há uma espécie mais rara de homens, competentes e úteis, que constroem a sociedade, práticos, objetivos e inteligentes, mas que sabem aliar a tudo isso uma qualidade que é rara neste tipo de homens: a bondade. A mim bastava-me olhar para o olhar de José Tomás da Cunha para perceber da abundância do seu coração. Nada melhor do que os olhos – ou, melhor, o olhar – para dizer da bondade que se tem dentro.

Foi há precisamente um ano que passeei, numa das mais belas viagens de grupo, pela Escócia. Edimburgo é uma cidade linda de pedra escura e parques cheios de flores. Num desses parques, entre a Cidade Nova e a Cidade Velha, perto da estação, descobri um pé de roseira que nunca tinha visto. Ainda não sei descrever a cor daquelas rosas. Não era amarelo nem laranja, não era salmão nem carmim. Simplesmente brilhava como se fosse a mais preciosa seda. E tinha um perfume que não é muito comum nas flores dos parques das cidades. Tirei uma foto que ainda hoje está na apresentação do meu telemóvel.

Como as pessoas, há flores que têm o condão de serem únicas. Como para as flores, para as pessoas o último momento da vida não é a morte. A morte é o penúltimo momento da vida. O último é o Amor. É isso que Deus é.

Até um dia, amigo.

 

*Este artigo foi publicado na edição desta sexta feira do jornal Diário Insular, na rubrica Rua do Palácio.

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