Por Monsenhor José Medeiros Constância
As Festas do Santo Cristo celebram-se todos os anos no tempo pascal. Com um significado grande na religiosidade, piedade e fé do nosso povo, elas fazem-nos mergulhar sempre na certeza de que o Sofredor (Ecce Homo) que a imagem do Santo Cristo mostra, foi Aquele que foi crucificado, morreu e depois ressuscitou.
Celebramos as festas do Santo Cristo, neste domingo, num contexto mundial e local da Pandemia Covid-19. Há sofrimento, luto, medo, dificuldade de toda a ordem e um enorme vazio. Praticamente não teremos festas.
Neste domingo só teremos a celebração da Eucaristia transmitida pela televisão da Igreja Santuário. A Eucaristia não terá a participação do povo, como também desertas estarão as ruas da cidade de Ponta Delgada.
Sabemos, que este tempo pascal é de festa, mas este ano sem a explosão da fé, da penitência e da alegria cristã que se costumam viver nestes dias na nossa terra.
Neste ano de 2020, as festas do Santo Cristo, neste tempo pascal e nas circunstâncias em que nos encontramos, conduzem-nos ainda mais e de uma maneira intensa à essência do que é a Páscoa e ao núcleo central da devoção ao Santo Cristo dos Milagres.
Tocados em cheio pela fragilidade e pelo vazio, na purificação que nos é exigida, na meditação da Páscoa e da cena do Evangelho que a imagem do Santo Cristo no reproduz; descobrimos o cerne de tudo: Jesus que numa vida doada neste mundo fez a sua viagem para a morte, integrou todo o sofrimento, o abandono e a solidão e num grande ato de confiança entregou-se, morreu, desceu à sepultura e na grandeza da força do Pai ressuscitou.
Ser verdadeiro devoto do Santo Cristo na vida e na prática é percorrer o caminho de Jesus assumindo os limites da nossa vida, debelando os males da hora atual e a doença, mas sabendo que o sofrimento das famílias e do povo estão cheios da presença do Senhor que nos acompanha e nos sustenta nesta hora.
O preço da Páscoa no sofrimento que teve e traz, priva-nos de tudo menos da graça.
Tudo se resolve, como disse Karl Rahner, junto à cruz na compreensão filial e amorosa das palavras do Senhor: «Pai nas tuas mãos entrego o meu espírito».
Assim, na compreensão pascal da devoção ao Senhor Santo Cristo, aceitamos o vazio e o silêncio, mesmo hoje, na habitação que o Senhor faz dos mesmos; perguntando na força do Espírito o que é que Deus nos diz e o que tudo isto significa, nos sinais que descobrimos no nosso coração “que nos arde” como aos discípulos de Emaús ao descobrirem o Ressuscitado.
Neste tempo por todo o mundo e no nosso meio, algo está a morrer e qualquer coisa de novo está a nascer.
Nesta Páscoa de 2020 e nestas festas do Santo Cristo tão despidas de tudo, mas vividas na relação pura e comprometida da fé, praticamos a verdadeira devoção.
Oxalá que como Igreja Local nos saibamos despedir daquilo que é velho e deve desaparecer segundo o evangelho e que acolhamos o que de novo está a nascer e que o futuro já nos traz.
Assim, este tempo será também de renovação e a nossa festa deste ano dará os seus frutos.
*O monsenhor José Medeiros Constância é vice-reitor do Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres