Por Carmo Rodeia
Participei no primeiro jubileu temático proposto pelo Vaticano no passado fim de semana, em Roma: o Jubileu dos Comunicadores. Foi um momento interessantíssimo quer do ponto de vista profissional quer espiritual. Passar a Porta Santa de São Pedro, em ano de jubileu é um privilégio que, por si só, já seria relevante. Fazê-lo acompanhado de vários colegas, que comungam do mesmo ofício e da mesma fé, ainda se torna mais importante.
As atividades do jubileu começaram com um encontro dos portugueses com o cardeal D. José Tolentino Mendonça, o padre jesuíta António Spadaro e a nova prefeita do dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, irmã Simona Brambilla. E não poderíamos ter começado melhor esta nossa peregrinação. Como dizia o cardeal português, nós jornalistas, que estamos habituados a fazer a cobertura do que os outros dizem e vivem, eramos os protagonistas de uma narrativa que se quer cada vez mais próxima dos valores do evangelho, ainda que não tenha (nem deva!) ser uma narrativa confessional.
Nesse mesmo dia, de São Francisco de Sales, patrono dos jornalistas, e à hora do encontro no Dicastério para a Cultura e Educação, a Sala de Imprensa do Vaticano divulgava a mensagem do Papa Francisco para o 59º Dia Mundial das Comunicações Sociais que se assinala no domingo anterior ao do Pentecostes. Nela o Papa pede-nos que partilhemos a esperança com a “mansidão do coração” e assim o contraponto com este nosso tempo marcado pela desinformação e pela polarização, onde o jornalismo é cada vez mais necessário para desarmar a mentira e a desinformação promovida deliberadamente pelas “fake news”.
“Sonho com uma comunicação que saiba fazer de nós companheiros de viagem de tantos irmãos e irmãs nossos para, em tempos tão conturbados, reacender neles a esperança” escreve o Papa, destacando o papel do jornalista.
“Encorajo-vos, portanto, a descobrir e a contar tantas histórias bem escondidas por detrás das notícias; a imitar aqueles exploradores de ouro que, incansavelmente, peneiram a areia em busca duma pequeníssima pepita”, insiste o Papa.
“A comunicação não é só uma saída, é também um encontro com os outros. Saber comunicar é uma grande sabedoria”, pode ler-se na mensagem.
O dia de sexta-feira, o primeiro, terminava numa vivência espiritual com a celebração penitencial e a eucaristia na Basília de São João de Latrão, outra das portas santas.
No sábado era o grande dia: primeiro a peregrinação até à porta Santa de São Pedro e depois o encontro com o Papa na ala Paulo VI, com uma manhã recheada de bons motivos para justificar um levantar madrugador.
Cerca de 9 mil comunicadores de todo o mundo juntavam-se para ouvir a prémio Nobel da Paz, Maria Ressa, presa pelo governo filipino e autora na plataforma Rappler e Colum McCann, escritor irlandês e cofundador da rede ‘Narrative 4’.
Ressa afirmou que a “tecnologia recompensa a mentira” e apelou ao compromisso dos profissionais da comunicação pela defesa da verdade: “Sem factos, não se pode ter verdade, sem verdade não se pode ter confiança”.
Colum McCann, escritor e cofundador da rede ‘Narrative 4’, alertava para a “epidemia de solidão e isolamento” que se vive na atualidade.
“Não podemos amar o próximo, porque o nosso único próximo somos nós mesmos”.
A manhã na ala Paulo VI tinha sido `inaugurada´ pelo prefeito do Dicastério da Comunicação, Paolo Ruffini, que apelou à comunicação entre pessoas e não entre máquinas, num mundo onde é importante contar e relatar histórias com rosto.
Uma ideia constante no discurso do Papa que não foi lido, nem por ele nem por nenhum elemento do Vaticano. E foi pena, porque o que lá se diz é de uma importância extrema e, dito pelo Papa, complementaria muito o que vem escrito na mensagem deste ano para o Dia Mundial das Comunicações Sociais: “Neste Ano Santo, neste jubileu do mundo da comunicação, peço aos governos que garantam que todos os jornalistas presos injustamente sejam libertados” porque “a liberdade dos jornalistas aumenta a liberdade de todos”.
“A liberdade deles é a liberdade de cada um de nós. (…) Que a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão do pensamento sejam defendidas e protegidas, bem como o direito fundamental de ser informado”, advogou.
Segundo o Papa, que recordou 2024 como um dos anos “mais mortíferos para os jornalistas”, a informação livre “é um património de conhecimentos, experiências e virtudes que deve ser preservado e promovido”.
“Sem isso, corremos o risco de deixar de distinguir a verdade da mentira”, sublinhou.
Para nós, ali presentes, teria sido muito interessante acrescentar à proximidade do Papa este pronunciamento de viva voz. Mas, percebemos o cansaço do Santo Padre que optou não por ler mas por estar próximo de alguns de nós, cumprimentando quem pode.
Visivelmente cansado após uma manhã repleta de audiências, numa gestão de agenda um pouco incompreensível atendendo à saúde e à idade de Francisco, a bênção papal, que não demorou mais de dois minutos foi eloquente: tão importante como contar a verdade e os factos é ser verdadeiro.
Que belo e profundo ensinamento! Isto coloca-nos quase num patamar divino. Foi o papa que o disse… Naturalmente, que a profundidade deste pensamento não apaga a desilusão de muitos de nós por não ter havido a possibilidade de ouvir o Papa, o seu pronunciamento assertivo, como se esta ausência fosse uma espécie de metáfora dos tempos que correm em que tantos de nós temos dificuldade em escutar o Espírito Santo, em escutar-nos uns aos outros, até.
Diante do sofrimento físico e psicológico, tão visível em Francisco, que já só preside sentado e na oração do Ãngelus no domingo fez um esforço hercúleo para se suster de pé naquela varanda, nunca poderemos calar a injustiça, a falta de amor, a pobreza, a exclusão, a indiferença ou até mesmo a falta de carisma evangélico em tantas das nossas acções como cristãos.
Ser jornalista é mais do que uma profissão. É uma vocação e uma missão, com uma responsabilidade peculiar e uma tarefa preciosa. A linguagem utilizada pode acender ou apagar a esperança, pode dar voz aos marginalizados ou esmagá-los ainda mais. A coragem de um cristão, e ainda mais de um jornalista cristão, não está só do lado da denuncia; a coragem também está em escutar com o coração, “ouvir e falar com o coração, custodiar a sabedoria do coração, compartilhar a esperança do coração”.
Esta é porventura a maior liberdade de todas e que só a Esperança, que não é uma ideia ou um desejo mas uma pessoa, alimenta.
As dores do Papa são também as nossas. E, cada vez que não o escutamos ficamos mais longe de aproveitar esta nova oportunidade que o Espírito Santo está a dar à Igreja e Jesus continuará a não ter lugar… como não teve naquele dia em Belém, quando os pastores anunciaram ao mundo um novo lugar para a Esperança.
(Este artigo foi publicado no Correio dos Açores)