Por Carmo Rodeia
O verbo desculpar é um verbo transitivo. E, por isso, desculpar pode ser conjugado na forma pronominal: desculpar-se; desculpar no feminino; desculpar na voz passiva…poderia continuar, mas para o efeito basta. Mais importante do que o verbo é o que está por detrás da sua conjugação, de preferência sem a conjunção “mas”.
Não é uma dissertação sobre linguística, nem pretendo revelar o pouco conhecimento que tenho do funcionamento da língua portuguesa; apenas quero mostrar a importância deste verbo no léxico cristão.
O Papa não se cansa de o utilizar e de nos lembrar da sua importância. Ainda este domingo afirmou que a Igreja devia pedir desculpa às pessoas homossexuais pela forma como as tem tratado ao longo de décadas.
“Vou repetir que o catecismo da Igreja diz que eles [homossexuais] não devem ser discriminados, que devem ser respeitados e acompanhados pastoralmente”, disse Francisco no avião durante regresso ao Vaticano, depois de uma visita à Arménia.
“Penso que a Igreja deve não só pedir desculpa a uma pessoa gay que ofendeu mas também aos mais pobres, às mulheres que têm sido exploradas, às crianças que têm sido exploradadas [ao serem forçadas] a trabalhar”, sublinhou o chefe da Igreja.
Já em 2013, Francisco tinha reafirmado a posição da Igreja Católica de que os atos homossexuais são um pecado mas que a orientação gay não é, declarando na altura: “Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem boa-vontade, quem sou eu para julgar?”
“A cultura mudou, graças a Deus, e como cristãos temos de pedir muitas desculpas”, admitiu.
Em Julho de 2015, o Papa visitou a Bolívia e foi ali, ao lado do Presidente Evo Morales, que pediu desculpa pelos “pecados” da Igreja Católica na opressão da América Latina. “Muitos pecados graves foram cometidos em nome de Deus contra os povos nativos da América. Peço humildemente perdão, não apenas pelas ofensas da Igreja, mas pelos crimes cometidos contra os povos nativos durante a chamada conquista da América”, disse. Já em 2006 Bento XVI tinha pedido perdão pelas vítimas do Holocausto.
O cristianismo, graças a Deus, venceu a tentação de declarar inimigos. Os seus inimigos são a fome, o sofrimento, as injustiças e as desigualdades, a ausência de sentido… esta “economia que mata” e, sobretudo, esta espécie de fé que trata Jesus Cristo “como um viúvo” em vez de o tratar “como o noivo”, na feliz expressão do Cardeal de Boston, D. Sean O´Malley.
Vivemos, de facto, tempos auspiciosos na Igreja liderada pelo Papa do fim do mundo, tal como já vivíamos no tempo de Bento XVI, porque o Espírito Santo se encarrega das escolhas certas. Estes tempos representam também uma oportunidade para o cristianismo reencontrar o seu rosto mais autêntico, mais profético. Somos menos, mas não somos assim tão poucos. Precisamos, se calhar, de ser menos massa e mais fermento, mesmo que ás vezes fiquemos com a sensação de que não somos o melhor fermento do mundo. Não importa. Deus não precisa de discípulos perfeitos mas dos que não desistem mesmo que se sintam pecadores. “Eu não vim chamar os justos, vim chamar os pecadores” (Mat 9,13; Marc 2, 17; Luc 5,32).
No romance “Os Incuráveis”, Agustina Bessa Luís cria na figura da miséria extrema a existência digna de adoração, como aquela que cabe nos critérios do Evangelho.
“ (…) Uma mendiga, a Perdiz, abusada de mil formas ao longo dos anos, arrastando-se de um lado ao outro da estrada sobre umas joelheiras de pneu, coçando as pústulas das pernas (…) é surpreendida pela voz de Maria .
– Ainda és viva, Perdiz?
– Já devia ter ido que não faz falta a ninguém, disse a vendedoura das castanhas,
– “Mulher! A vida é só dos ricos? A vida é de cada um, não é só dos que têm pernas para andar e pão para comer!”.
Por vezes (demais) esquecemo-nos disto. O plural é mesmo majestático…Desculpem.