As alterações climáticas matam!

Por Carmo Rodeia


A frase é explosiva e por isso tem o ponto de exclamação, para lhe dar ainda maior enfâse. Foi proferida ontem pelo Presidente do Governo espanhol, Pedro Sanchéz.
Além de verdadeira é elucidativa de como reagimos, e de como fazemos a leitura da realidade, quando a tragédia nos bate à porta.
A Espanha, tal como Portugal e França e tantos outros lugares, está a arder. O chefe do Governo espanhol não se coibiu de ligar os incêndios às alterações climáticas.
Há muito que o mundo “arde” e não são apenas os incêndios que o destrói.
“Metade da humanidade está em zonas de perigo de inundações, secas, tempestades extremas e incêndios. Nenhuma nação está imune”, alerta por seu lado o Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres. E, acrescenta: “continuamos a alimentar. Nossa adição de combustíveis fósseis. Não temos escolha. Acção coletiva ou suicídio coletivo. Está nas nossas mãos”.
Sempre esteve, digo eu…
Dois artigos científicos do Instituto do Mar e da Atmosfera(IPMA) indicam que a mudança do clima vai provocar impacto na Região Autónoma dos Açores: um aumento da temperatura média e uma diminuição da precipitação. De resto, nos últimos trinta anos o aquecimento global fez subir as temperatura cerca de um grau em relação aos últimos 70 anos, diz o IPMA. As previsões, tanto quanto é possível antecipá-las garantem que até meados deste século este aumento possa ainda ser agravado em 3 a 4 graus celsius, registando-se também um aumento da amplitude térmica. Já no que toca à precipitação, importa referir que as projecções apontam para uma diminuição drástica do índice de precipitação no final da Primavera e durante todo o Verão e um ligeiro aumento no final do Inverno, por muito que isso nos custe a acreditar pois o tempo que se tem feito sentir em todas as ilhas mostra que o verão tarda em chegar.
Desde 2016, avançam os estudos citados, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera aumentou dramaticamente. Estas alterações, segundo os especialistas têm impacto na produção de energias renováveis, como a geotérmica e a eólica, com consequências no fornecimento às populações. Portanto, ninguém está a salvo, como diz o Secretário Geral da ONU.
Na verdade nunca ninguém esteve. Mas quando afectava os outros, sobretudos os mais pobres, sem acesso aos holofotes das notícias, fazíamos acordos, e bem, mas se não os cumpríssemos também não nos pesava a consciência. Agora que o problema está à porta da nossa rua, a atenção é outra.
No ano passado, em novembro, o Papa desafiou os participantes na COP26, que decorria em Glasgow, Escócia, a agir imediatamente para cumprir os compromissos assumidos no combate às alterações climáticas, sublinhando que não havia tempo a perder.
“ Muitos dos nossos irmãos e irmãs estão a sofrer com esta crise climática. As vidas de inúmeras pessoas, especialmente as mais vulneráveis, têm sentido os seus efeitos cada vez mais frequentes e devastadores”referia Francisco, acrescentando: “Devemos ser honestos: isto não pode continuar assim!”.
A mensagem falava na “tarefa vital” de enfrentar as alterações climáticas, no contexto do combate à pandemia de Covid-19, que exigia, segundo o pontífice, uma “profunda solidariedade e cooperação fraterna” entre todos os povos.
A COP26 decorria seis anos após a Conferência de Paris, na qual se estabeleceu um Acordo que visava limitar o aumento da temperatura média global do planeta entre 1,5 e 2 graus celsius acima dos valores da época pré-industrial.
Francisco apontava à necessidade de defender a dignidade da vida humana e a saúde do planeta, numa “mudança de época”, com maior empenho dos países mais desenvolvidos.
E o que parece evidente é que estes países precisam de assumir um papel de liderança nas áreas de financiamento do clima, descarbonização no sistema económico e na vida das pessoas, na promoção de uma economia circular, apoiando os países mais vulneráveis que se procuram adaptar ao impacto das mudanças climáticas e responder às perdas e danos que estas causaram, como alertou o Papa.
Precisamos desta esperança e desta coragem. E para isso precisamos de vontade política. E, não será porque o fogo está à nossa porta. O nosso propósito terá de ter em conta o que nunca teve: os povos mais vulneráveis, de África, da América Latina e da Ásia e a “dívida ecológica” em relação aos mesmos.

 

 

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