Por Carmo Rodeia
Este fim de semana, com recolher obrigatório em Fátima, permitiu-me pôr em dia alguns filmes que há muito queria ver e que, por uma razão ou por outra, ia sempre adiando. E, um dos filmes que vi foi o documentário de Wim Wenders “Papa Francisco. um homem de palavra”.
A narrativa e a condução do filme assenta numa longa e muito pertinente entrevista ao Papa, que veio do outro lado do mundo, que é entrelaçada com imagens e intervenções do Santo Padre nos quatro primeiros anos do pontificado e, que tem um fio condutor que é mostrar como este Papa se identifica, no pensamento, nas palavras e na acção, com São Francisco de Assis.
É preciso dizer que Wim Wenders é um admirador confesso do Papa. E que este filme não sendo confessional , nem contado com a produção do Vaticano, resulta de um convite de Monsenhor Dário Vigano, ex diretor do Dicastério da Comunicação da Santa Sé, que disponibiliza muitas das imagens e das intervenções que hão de ser utilizadas no filme, entre as quais alguns planos da passagem de Francisco pela Cova da Iria, em maio de 2017, durante o Centenário das Aparições. Acresce mencionar, por outro lado, que o filme destina-se a vários públicos, a várias culturas e a diferentes formas de viver a fé, até mesmo noutras religiões. Chega mesmo a dar a sensação de que o Papa, através do cinema, quis empreender um novo caminho para chegar a toda a comunidade, de mulheres e homens de toda a fé e cultura, desejoso de responder às suas perguntas. Um pouco como Leão XIII já havia feito.
Percebe-se, ainda, que não estava em cima da mesa uma biografia, até porque Francisco teria dificuldades em falar sobre si próprio; mas há momentos em que o próprio traz para o diálogo questões mais pessoais. Como a da saudade de estar num confessionário e de considerar que hoje o mundo precisa desse tipo de apostolado a que ele chama o “apostolado do ouvido”, aquele que permite o verdadeiro encontro. E o filme é isso mesmo: um encontro com o Papa. Com aquilo que ele realmente é: homem simples e autêntico; um cristão verdadeiramente preocupado com os problemas do seu mundo. Por isso, fala sobre coisas muito terrenas. Não é um Papa preocupado com os ouvidos de Deus, mas sim como nos olhamos uns aos outros e como nos escutamos.
Francisco gosta e quer falar ao povo. Sobre pobreza, a relação do homem com a natureza, a paz no diálogo entre religiões, sempre muito consciente da sua responsabilidade e da missão que Deus lhe confiou no sentido de cooperar na construção da paz.
O filme, ao que sei, foi feito a partir de quatro grandes entrevistas de duas horas cada, com cerca de 55 perguntas no total.
No final ficamos comovidos com a atitude de alguém, que é porventura uma das figuras mais importantes do século XXI, nos nossos dias, que se dirige a todos com a mesma franqueza, com a mesma verdade, sejam eles refugiados, presos, crianças, políticos ou cientistas.
O que retemos é a imagem de um homem em cuja palavra se pode confiar.
Ao vê-lo e ao escutá-lo, temos a sensação de estar diante de alguém que é capaz de viver e de transmitir uma profunda alegria.
Ele próprio nos convida a sermos apóstolos da alegria e da beleza. Como? Através do sorriso e do sentido de humor. O sorriso que vem como uma flor do coração, que brota de dentro da alma não para seduzir ou manipular, com segundas intenções, e o humor. Aliás, o Papa termina o filme com uma confissão pessoal onde revela que depois das laudes reza sempre a oração de São Tomás More que começa assim “Dai-me, Senhor, um pouco de sol, algum trabalho e um pouco de alegria. Dai-me o pão de cada dia, uma boa digestão e algo para digerir. (…) Dai-me, Senhor, a dose de humor suficiente para que eu encontre a felicidade nesta vida e para que eu seja útil aos outros. Que sempre haja uma canção em meus lábios, uma poesia ou uma história para me distrair (…)”
Se calhar precisamos de aprender a sermos apóstolos da alegria e da beleza, como naquele poema de Neruda “ nega-me tudo mas não me negues o teu sorriso”.
Esta pandemia até isso nos vai tirando. Será que a esperança ainda é o rosto do futuro?
Eu quero acreditar, mas também preciso de um sorriso…