Ainda o «Culto das Imagens» e um Resplendor

Diocese de Angra corresponde, “com responsabilidade e apreço”, à expectativa de milhares de fiéis e peregrinos diz Sandra Costa Saldanha no editoral da Agência Ecclesia.

Expoente da joalharia devocional portuguesa, o processo de deslocação do resplendor do Senhor Santo Cristo dos Milagres, no convento de Nossa Senhora da Esperança em Ponta Delgada, tem causado, como é sabido, diversas manifestações de repúdio.

 

Obra integrada no Tesouro do Senhor Santo Cristo dos Milagres (juntamente com a sua coroa, corda, relicário e cana), inscreve-se no quadro de um conjunto de ofertas feitas como pagamento de promessas, ou motivadas pela vontade dos fiéis em enriquecer a imagem venerada. Encomendada pela 4ª Condessa da Ribeira Grande, seria doada pelo 6º conde, seu neto. Executada pelo ano de 1785, e atribuída aos célebres mestres Pollet, joalheiros da Casa Real, impressiona pela riqueza dos materiais e qualidade iconográfica, com representações e simbologia da Paixão.

 

Mas é sobretudo a sua dimensão espiritual que tem gerado tamanha celeuma em torno da participação da obra na exposição “Splendor et Gloria”, próxima mostra temporária do Museu Nacional de Arte Antiga. Reunindo e confrontando um notável conjunto de outras peças de ourivesaria, não se resume à simples exibição de obras esplendorosas. Como tantas outras iniciativas do género, resgata e divulga as extraordinárias histórias de cada uma, memórias vivas de fé e das comunidades que hoje as prosseguem.

 

Prática corrente em todo o mundo, não são raros os casos de empréstimos de obras desta natureza, inclusive em Portugal, e até de alguns dos mais importantes ícones do catolicismo. E a Igreja, como qualquer instituição que persegue os seus fins, reconhece e defende uma sábia articulação, alicerçada na partilha e na comunhão dos seus Bens Culturais: não se furta a que sejam considerados “entre o património artístico nacional ou local, dispondo-se a colaborar nas iniciativas civis destinadas ao conhecimento e apreciação dos bens artísticos do país, da região ou da localidade.” (Princípios e Orientações, CEP, 2005).

 

No caso da peça em apreço, para além de uma oportunidade única de afirmação da riqueza religiosa e cultural do Arquipélago no todo nacional, como bem sublinham os responsáveis locais, a iniciativa proporciona ainda condições excecionais para o seu estudo e valorização, nunca empreendida no contexto em que é conservada. Acauteladas as indispensáveis normas de segurança e a necessária investigação nas áreas da História da Arte e da Conservação e Restauro, não visa apenas a exposição, análise ou inventariação material, mas também a imprescindível (e urgente) preservação deste tesouro açoriano.

 

Atenta à dimensão artística e devocional do património que tem à sua guarda – e em linha com a mais elementar regulamentação nesta matéria – a Diocese de Angra corresponde, assim, com responsabilidade e apreço, à expectativa de milhares de fiéis e peregrinos: não apenas aqueles que hoje prestam culto ao Senhor Santo Cristo dos Milagres, mas também (e, talvez, sobretudo) legando-o com dignidade aos que no futuro prosseguirão umas das suas mais genuínas formas de devoção.

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