Por Renato Moura
Sempre confessei que nunca simpatizei com o estilo de Marcelo Rebelo de Sousa; nem sequer no cargo de Presidente da República. Fala demasiadas vezes, de forma incauta, sobre todos os temas, nas mais variadas situações. Como Presidente, não deveria manter o estilo do analista de outrora.
É salutar que um Presidente da República não assuma um comportamento distante e inacessível, mas o cargo exige ponderação contínua, cuidado inteligente para evitar o risco da precipitação, ou o ridículo do improviso: escapando à sua vergonha e à dos portugueses.
Admito a maioria que votou o estilo de Marcelo. Compreendo até quem o apoiou, ainda que só por dar jeito. O Presidente da República foi legitimamente eleito, frui o meu respeito, como o dos demais portugueses. Concordo com muitas das exigências de princípios que ele tem procurado impor à classe política, incluindo o da transparência, principalmente depois da desvinculação do apoio excessivo ao Governo. Mas o respeito não impede discordância.
As dúvidas sobre uma eventual intervenção ilegítima do Presidente da República nos apoios que permitiram o tratamento de gémeas vindas do Brasil, são perturbadoras. Questionado sobre a legitimidade para prosseguir o mandato, Marcelo respondeu “Ai certamente!”.
Poderemos também nós dizer, ai certamente: as explicações que o Presidente deu não esclareceram, nem são ainda convincentes. Ai certamente: no seu tempo o analista Marcelo não se satisfaria com elas. Ai certamente: os esquecimentos de um Presidente da República são inquietantes em si mesmos, ou por serem comuns noutros casos e diversos políticos; é estranho o relacionamento de um filho com um pai exclusivamente por mensagem escrita; um filho de um Presidente não é um cidadão como outro qualquer, tratando-se de um pedido para desbloquear um impasse; seria escandaloso se tivesse havido uma situação de favor no SNS motivada por intervenção do Presidente, ou se tomada por alguém para o agradar.
Ai certamente: vinham a ser postos em causa outros órgãos de soberania e altas instituições públicas; neste transe, como em toda a actividade pública, os portugueses têm o inalienável direito de saber se há degradação das instituições; a dúvida, se estará também a tremer – como parece – o topo da hierarquia, é certamente arrepiante.
Ai certamente: o Presidente, apesar de visivelmente embaraçado, mantém ainda toda a legitimidade institucional, mas são evidentes os danos na imagem política. Certamente porque quem mais talentos recebeu, mais lhe é moralmente exigido.