Por Renato Moura
O pacote de diplomas proposto pelo Governo, apelidado de «Mais Habitação», foi aprovado pela Assembleia da República, apenas com os votos do partido detentor da maioria absoluta.
Enviado para promulgação, o Presidente da República exerceu o direito de veto, em mensagem fundamentada, solicitando nova apreciação. Entre as principais razões para o veto político merecem destaque o facto de não ter sido alcançado um acordo de regime, nem tão pouco um consenso alargado entre os deputados das várias forças. Também foi manifestada a preocupação sobre o arrendamento coercivo e as alterações ao mercado de alojamento local, bem como dúvidas sobre os efeitos na ampliação de oferta de habitação e insuficiência de apoios às famílias.
Publicamente conhecidas as razões do veto, veio imediatamente o Grupo Parlamentar do Partido de Governo anunciar que seriam confirmados na Assembleia da República, sem qualquer alteração! Este anúncio, inequivocamente, lançou um conjunto de afrontamentos descarados.
O veto é um poder constitucional e o dever de nova apreciação está também imposto pela Constituição; dele se espera uma ponderação séria e não uma simples formalidade, ou afrontamento, para obrigar o Presidente a promulgar.
A Constituição consagra que “os Deputados exercem livremente o seu mandato, sendo-lhes garantidas condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções”, com a garantia de não responderem “pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções”. Atribui explicitamente aos Deputados poderes de “participar e intervir nos debates” e como deveres expressamente o de “participar nas votações”.
Anunciar-se na comunicação social que o «Mais Habitação» seria confirmado pela maioria, constitui afronta à Assembleia da Républica, antecipando uma decisão que só este órgão de soberania pode tomar, após discussão formal. Afronta aos deputados dos demais partidos, querendo assim relegá-los para opiniões e presenças irrelevantes. Constitui afronta descarada aos deputados da maioria, pois, estando de férias, ficaram a saber, pela comunicação social, uma decisão que terão de votar, mesmo antes de poderem tomar posição.
Do art.º 114.º da Constituição resulta que os partidos políticos não têm poder de votação na Assembleia da República e do n.º 2 do art.º 180.º que a votação não é um direito dos grupos parlamentares.
O povo é o detentor do poder político e não pode permitir que qualquer força política, ou prática generalizada, ponha em causa a Constituição e os valores duma verdadeira democracia.