África tem “números alarmantes” de violações à liberdade religiosa

A fundação pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) divulgou hoje o seu Relatório 2023, sobre a liberdade religiosa no mundo, alertando para o agravamento das violações a este direito, particularmente no continente africano, onde regista “números alarmantes”.

“A perseguição intensa tornou-se mais aguda e concentrada, e a impunidade aumentou. Esta perseguição incluiu violações extremas do artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem das Nações Unidas, o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião”, alerta o organismo católico.

O Relatório 2023 enviado à Agência ECCLESIA mostra que a liberdade religiosa foi violada em países onde vivem mais de 4,9 mil milhões de pessoas; em 61 dos 196 países sob análise, os cidadãos enfrentaram graves violações.

A pior classificação, a categoria “vermelha”, inclui 28 países, dos quais 13 em África, onde a situação “se deteriorou fortemente”.

“Uma das regiões do globo onde a perseguição por motivos religiosos se acentuou mais foi em África. Este continua a ser o continente mais violento, com um aumento dos ataques jihadistas, o que torna a situação da liberdade religiosa ainda mais alarmante”, adverte o documento.

A AIS alerta para a tentativa de estabelecer “um regime islâmico separatista” em Cabo Delgado, Moçambique, num quadro global de ascensão de “califados oportunistas”.

Durante o período em análise, entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022, “as redes jihadistas transnacionais em África mudaram cada vez mais de tática”, indica a fundação pontifícia.

“As estratégias tradicionais de matar e pilhar deram lugar a uma tendência para impor impostos e comércio ilegais, dando origem a um Estado dentro do Estado”, acrescenta o relatório.

No que diz respeito à sub-região da África Austral, os ataques de insurreição aumentaram em Moçambique por parte de um grupo jihadista filiado no Daesh chamado Ahlu Sunnah wa Jama’a (ASWJ) – conhecido localmente como Al-Shabaab (sem relação com o Al-Shabaab, filiado da Al-Qaeda na Somália) e internacionalmente como IS-Moz. De acordo com um relatório do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, o IS-Moz conta com “pelo menos 1000 militantes” que tentam capturar Cabo Delgado para estabelecer “um regime islâmico separatista”.Os incidentes violentos registados em 2022 – assassinatos, raptos, pilhagens e destruição de propriedade – aumentaram 29%. Estes ataques foram significativos, uma vez que a violência foi principalmente dirigida contra civis (cristãos e muçulmanos), representando 66% de todos os eventos violentos, mais do que em qualquer outra região do continente. Até à data, mais de um milhão de pessoas estão deslocadas internamente.

A AIS alerta para um aumento das violações de todos os direitos humanos, incluindo a liberdade religiosa, a nível mundial, que tem entre as suas causas a “manutenção e a consolidação do poder nas mãos de autocratas e de líderes de grupos fundamentalistas”.

“Uma combinação de ataques terroristas, destruição de património e símbolos religiosos (Turquia, Síria), manipulação do sistema eleitoral (Nigéria, Iraque), vigilância em massa (China), proliferação de leis anticonversão e restrições financeiras (Sudeste Asiático e Médio Oriente) aumentou a opressão de todas as comunidades religiosas”, pode ler-se.

O relatório, publicado a cada dois anos, indica que há cada vez mais comunidades religiosas maioritárias que são objeto de perseguição, uma alteração na tendência do passado.

A fundação pontifícia critica, ainda, a “reação cada vez mais silenciosa da comunidade internacional às atrocidades cometidas por regimes autocráticos”.

“Os raptos, a violência sexual, incluindo a escravatura sexual e a conversão religiosa forçada, continuaram a verificar-se e permaneceram em grande parte impunes”, refere ainda o documento.

Quanto ao mundo ocidental, a AIS observa que “o aumento do controlo, incluindo a vigilância em massa, teve impacto nos grupos religiosos” e aponta o dedo ao que chama de “cultura do cancelamento”, incluindo a “linguagem forçada”.

O documento aborda também relatos de agressões contra a comunidade judaica e o aumento da perseguição dos muçulmanos, “nomeadamente por outros muçulmanos”.

A Fundação AIS é uma instituição internacional que apoia mais de 5 mil projetos pastorais em mais de 145 países, por ano, e tem secretariados em 24 países, incluindo Portugal.

Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre vai ser apresentado às 19h00, no Parlamento português, em Lisboa, numa sessão que vai ser encerrada por Augusto Santos Silva, presidente da Assembleia da República.

(Com Ecclesia)

Scroll to Top