Acreditam, caminham e renovam-se

Este sábado chegaram à casa de partida 12 ranchos de romeiros em São Miguel. Em São Pedro, Ponta Delgada, dos 58 irmãos que iniciaram a romaria cinco foram obrigados a desistir por motivos de saúde.

Chegaram à igreja à hora marcada. Da mesma forma como partiram. Os ponteiros do relógio indicavam-lhes o norte, debaixo de uma chuva intensa que, apesar de os molhar, também os abençoou.

 

Renovados espiritualmente depois de uma caminhada de oito dias, “dura do ponto de vista físico mas espiritualmente muito intensa”, os irmãos de São Pedro regressaram “renovados”, bem cientes de que amanhã “vamos para a vida de novo”, como entoavam no cântico de ação de graças no inicio da celebração eucarística que os acolheu este sábado.

 

Cansados, de barba grande, peregrinos por uma semana, as vozes magoadas pelo frio, pela chuva e pelo vento que nos primeiros dois dias “foram terríveis”, contrastavam com a ansiedade do reencontro.

 

“Sei que estão cansados e querem um bom duche, uma sopa quente e uma boa cama, mas tenho que vos dizer que a vossa romaria começa amanhã”, lembrava o Pe João Maria Brum, “porque “as vossas mães, as vossas mulheres, os vossos filhos esperam ansiosas que sejam melhores pessoas e que a caminhada que fizeram vos ajude nesse sentido”.

 

A mensagem não podia ser mais clara. Caminhar apenas por caminhar pode ser bom para o físico mas não alimenta a alma. Uma romaria “é mais do que isso” diz o irmão mestre Carlos Costa.

 

“Não faz sentido chegarmos a casa e sermos as mesmas pessoas”, mas também “não esperem milagres. Renovamo-nos, queremos ser melhores mas precisamos da ajuda e do perdão de todos”.

 

A romaria não podia ter corrido melhor. Mesmo para os que a fizeram pela primeira vez. Como o Irmão Filipe… sem apelido “porque nestes momentos somos só nós sem qualquer carga social”.

 

Faz a sua primeira romaria aos 39 anos, quando sentiu que era preciso “dar outro sentido à vida, perceber melhor Jesus” e “não me enganei, apenas superou todas as minhas expetativas”, disse ao Portal da Diocese na sexta pernoita do rancho, na hora do acolhimento numa família em Ponta Garça, Vila Franca do Campo.

 

Filipe, ficou com dois veteranos do rancho – os irmãos Raúl e Roberto- na casa do responsável pelo Movimento de Romeiros de São Miguel, João Carlos Leite, onde a mulher, Rita, dava o tom de um forma hospitaleira : “estejam à vontade irmãos, esta é uma casa de romeiros”.

 

Na simplicidade do acolhimento, no seio da família, da refeição preparada ou do banho quente, há um sinal evidente de que, esta mulher , será por umas horas Maria.

 

Em cada um destes gestos banais, mas cheios de significado, quando se acolhe um peregrino em casa, constrói-se uma teologia dos afetos. Um sinal inequívoco daquele amor que Jesus nos ensinou: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei.

 

Era um reencontro de irmãos, embora não se conhecessem, até porque foi a primeira vez que São Pedro pernoitou nesta freguesia.

 

O ambiente caloroso e distendido constituiu “um mimo” para quem nada tem a não ser uma enorme vontade de renovação espiritual e amadurecimento da fé cristã: acreditar que alguém lá no alto olha por nós, nos ajuda, nos guia e nos orienta, sem tabus nem preconceitos, sem ditames ou obrigações, apenas com um amor infinito.

 

O despojamento “foi talvez a maior partilha que tive nestes dias”, diz o irmão Filipe.

 

“As paragens, as reflexões, a sinceridade e a verdade crua, os afetos” todos partilhados intimamente entre homens como se conhecessem de uma vida inteira.

 

O Irmão Roberto é romeiro desde os 16 anos. Há 23 anos que caminha em busca do seu crescimento como homem de fé. A vida não tem sido fácil mas, nesta romaria procurou, a pão e água, um sentido e uma explicação para o que lhe tem acontecido. Porventura a maior resposta que obteve foi o consolo de saber que “amanhã será melhor porque Deus é amor” e ele como homem de fé, fortifica-se nesse amor.

 

“Aprendemos a cair e estas romarias ajudam-nos a saber levantar-nos mais depressa”, lembra o Mestre Carlos Costa no final da Romaria, em jeito de balanço.

 

O rancho de São Pedro, em Ponta Delgada, foi um dos primeiros a sair. Dos 58 irmãos, com idades compreendidas entre os 12 e os 65 anos, cinco foram obrigados a desistir “com mágoa” por razões de saúde. Ainda assim, não quiseram perder a chegada e juntaram-se aos outros ou na igreja ou no último dia da Romaria, feito entre a freguesia do Livramento e a Igreja de São Pedro, passando pelos templos da cidade.

 

Durante oito dias, percorreram os  templos da ilha, sobretudo os de invocação a Maria.

 

Despojados, apenas com a indumentária habitual – um xaile, uma lenço, um saco e um bordão- e com todas as suas circunstâncias da vida, percorreram estradas e caminhos, em oração. Nos terços que levam ao peito, guardam histórias de vidas inteiras…que num momento de maior intimidade não enjeitam partilhar, mesmo com quem está de fora.

 

Nesta segunda semana da Quaresma saíram mais 10 ranchos de romeiros em São Miguel.

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