Por Carmo Rodeia
Rainer Maria Rilke no livro as “Cartas a um Jovem Poeta” afirma que “o tempo não é uma medida, um ano não conta, dez anos não representam nada, ser pessoa não significa contar, não se trata de contar o tempo: trata-se sim de crescer como a árvore que não apressa a sua seiva e resiste serena.”
Socorri-me desta citação para falar do tempo, não do meteorológico ou do tempo das nossas vidas, mas do tempo que nos tem faltado para debatermos com seriedade o rumo dos tempos. Sem alarmismos nem pessimismos desnecessários; apenas com o realismo a que a memória de outros tempos nos deve agitar.
Os principais líderes da extrema-direita europeia reuniram-se este sábado em Koblenz, na Alemanha. Querem “acordar a Europa” e, a uma só voz, defendem que o patriotismo é o futuro.
A líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, pediu aos europeus que “acordem em 2017”, tal como os britânicos com o voto pelo Brexit, e os americanos com a eleição de Donald Trump já o fizeram em 2016, num discurso proferido durante a concentração de vários partidos e movimentos de extrema-direita numa cidade alemã.
A candidata às eleições presidenciais francesas falou num congresso que reuniu os principais partidos de extrema-direita e contou com a presença de Frauke Petry, a líder do partido anti-imigração alemão Alternativa para a Alemanha (AfD), Geert Wilders, líder do partido de extrema-direita holandesa Partido da Liberdade (PVV), que ainda no mês passado foi condenado por incitar à discriminação contra cidadãos marroquinos, e Matteo Salvini da Liga do Norte italiana, que defende, por exemplo, a saída de Itália do euro. E falou do `efeito dominó´que segundo ela se espalhará por toda a União Europeia e que o discurso de tomada de posse de Donald Trump tinha “tons comuns” com a mensagem de “soberania nacional” que os líderes ali reunidos esperavam conseguir reproduzir nos seus próprios países.
Na rua surgem os protestos. Em Koblenz reuniram-se cerca de 8 mil nas imediações do congresso e nos Estados Unidos milhares saíram à rua e foram imitados por milhões em todo o mundo, clamando contra o racismo, a xenofobia, a desigualdade e outros valores que alguns querem agora tirar do armário.
Afinal que tempo é este? E que memórias de outros tempos nos vêm ao pensamento?
Que tempo é este em que 1% da humanidade tem tanta riqueza como os restantes 99%? Que estabilidade poderá ter este mundo quando o único valor em que assenta é o primado da economia e da finança, marcado por uma mentalidade egoísta, à conta da qual se propõem muros em vez de pontes, exclusão em vez de inclusão?
Num momento em que o mundo é atormentado por graves crises humanas, que exigem respostas políticas clarividentes e unidas, precisávamos de outros protagonistas, em nome da dignidade humana e da liberdade em todo o mundo. Precisaríamos sobretudo de menos sede de poder, de menos mundanidade.
Numa das suas homilias na Casa de Santa Marta, julgo que em novembro de 2016, o Papa Francisco alertou para as pessoas que vivem apenas para “ser vitrina, para aparecer”, pela “fama mundana”, como que a provar que o herói pode tudo, sempre tudo. Mesmo que seja um herói dos filmes de série B. Que minta e que seja desleal, populista e demagógico. O único problema é que estes heróis são reais, têm efetivamente poder e usam-no de forma imprevisível.
Definitivamente este não é o meu tempo. E não sei se quero que me acordem, pelo menos desta maneira.