«Abba: um Deus Papá»

Esta é a quarta reflexão de Bispo de Angra, D. António de Sousa Braga, para a Quaresma de 2014.

IMAGENS DE DEUS (4)

 

«Abba»: um Deus «Papá»

 

Não há dúvida de que a maior originalidade de Jesus, ao falar de Deus, foi proclamar que Ele é Papá. Não apenas Ab – Pai – mas Abba: Papá, Paizinho, que em italiano dá Babbo e em inglês, Daddy. Um diminutivo carinhoso, que traduz o balbuciar de uma criança, que se sente segura nos braços do Pai, que tem desvelos de Mãe.

1. Uma expressão, que não corresponde à mentalidade e ambiente religioso da época, sem paralelo nos livros sagrados, antes e depois de Jesus. «Conceito inaceitável para os fanáticos, infantil para os filósofos, o cúmulo do antropomorfismo para os espiritualistas, inepto para os teólogos, libertário e demasiado igualitário…» (José Luís Cortés, Um Deus Chamado Abba, Estrela Polar, 2003. p. 160).

Deus é, por definição, Transcendente. Atribuindo-Lhe o nome de Abba, a figura enigmática de Deus torna-se próxima. Ele é realmente Emanuel, Deus-Connosco, presente e actuante na nossa vida, de forma misteriosa e inesperada (se assim não fosse, que Deus seria?). «O nome Abba… fala-nos de um Deus caseiro, convida-nos a dar-Lhe lugar nas nossas vidas. Há anos que O venho desenhando, com roupão de andar por casa e com chinelos, como que a indicar que o Céu, a Casa do Papá de Jesus e também nosso, é verdadeiro lar, em que Deus-Pai é Mãe» (Ibd, p. 9).

Em boa lógica humana, Deus deveria ser uma entidade majestosa, mesmo muito majestosa, complexa, distante… Assim O pintam filósofos e teólogos, com linguagem complicada (quanto mais complicada, maior a sabedoria…!). Mas Jesus trata Deus como Papá. E ensina-nos a fazer o mesmo. Recomenda que, quando rezarmos, não usemos muitas palavras. Mas digamos simplesmente: Pai Nosso! Um Papá, que nos conhece pelo nome e nos ama pessoalmente um a um. Com tal invocação, reconhecemo-nos filhos e, por isso mesmo, irmãos uns dos outros.

2. Portanto, «chamar a Deus Papá quer dizer também que ninguém pode confessar que acredita em Deus, se não se sentir irmão dos outros… E dizer que os outros são meus irmãos, porque são filhos do mesmo Papá, significa que os outros são o caminho mais seguro para chegar ao coração de Deus… Se quiser chegar a Deus de verdade (pelo menos ao Deus de Jesus), terei que arregaçar as mangas e deitar mãos à obra, para construir uma família, como “Deus manda” (em que já não há grego, nem judeu, nem homem, nem mulher). Se não, mesmo que um dia chegasse a Deus por minha conta, com a minha inteligência e até com a minha santidade, encontrar-me-ia sempre perante a pergunta muito antiga: onde está o teu irmão» (Ibid, p. 162)?

A parábola do juízo final é elucidativa a esse respeito. Quanto é que Te vimos com fome ou com sede, sem roupa ou na prisão e não Te assistimos? E o Deus-Abba responde, como não podia deixar de ser: quando deixastes sem amparo um destes Meus irmãos mais pequeninos, foi a Mim que desamparastes (cf. (Mt 25, 45). Mas se até profetizámos e fizemos milagres em Teu nome! E receberam esta resposta tremenda: nunca vos conheci (Mt 7, 23).

 

É assim. O caminho para Deus passa pelos irmãos. Deus é «Totalmente Outro». Não sabemos grande coisa de Deus. O caminho seguro para continuar a procura é com e através dos irmãos.

+ António, Bispo de Angra

 

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