Por Renato Moura
A fundamentação de um acórdão do Tribunal da Relação do Porto emergiu na comunicação social e causou estupefacção. Foi proferido a propósito de um recurso sobre uma sentença em que se analisara a violência exercida por dois homens sobre uma mulher, com uso de uma moca com pregos.
Além do juízo que se possa fazer sobre a não revisão da medida das penas suspensas, neste caso também avulta aquilo que o juiz desembargador alegou no acórdão.
A fundamentação deixou perceber que um juiz de um tribunal superior atenuou a violência em razão de ter sido exercida sobre uma mulher adúltera, indo ao extremo de invocar civilizações que puniam o adultério com lapidação até à morte, ou citando o revogado Código Penal de 1886, como se fossem fontes de direito! O recurso a interpretações equívocas da Bíblia, sobre o adultério, mereceu agora a adequada e pronta reacção do Secretário da Conferência Episcopal, lamentando o “uso incorrecto ou incompleto da Bíblia”, pois o encontro de Jesus com a mulher adúltera contraria a invocação apresentada.
Não se esperaria que fosse louvado o adultério, mas ao invés não se considera aceitável que se minimize ou aceite a violência por ter sido praticada para vingar a honra ferida de um homem.
A violação da igualdade de género e a violência doméstica são hoje comummente condenadas em todas as sociedades minimamente evoluídas, por ferirem frontalmente os direitos humanos e as convenções internacionais que os defendem. O sentimento jurídico da nossa sociedade está prevenido pela Constituição e pelas leis, que são as fontes de legitimidade.
Se ao contrário juízes recorrem a posições ideológicas, a crenças subjectivas, ao uso de argumentos arcaicos, inadequados ou infelizes, sem bom senso, sem prudência e sobriedade na linguagem, causam choque ou repúdio e podem lançar para a sociedade sinais errados e retrógrados. Para que não se generalize o mau juízo e não se afecte a confiança nos tribunais, impõe-se que os órgãos competentes tomem as decisões adequadas.
E a propósito:
– Atente-se, na coerência e alcance do Relatório Final, entregue ao Papa, do último Sínodo dos Bispos: “A prevenção e a resposta aos casos de violência familiar exigem uma colaboração estreita com a justiça para agir contra os responsáveis e proteger adequadamente as vítimas”;
– Recordem-se as oportunas denúncias do Papa Francisco sobre a “violência doméstica” e os “abusos sobre mulheres e crianças” e sobretudo o absurdo do “direito de propriedade do homem sobre a mulher”.