Por Carmo Rodeia
“A morte e a vida travaram um admirável combate: depois de morto, vive e reina o Autor da vida.” Assim canta um hino litúrgico da Páscoa, a festa maior do calendário cristão e aquela que mais vai ao âmago da nossa fé. De uma vez só tratamos da paixão, da morte e da ressurreição de Jesus.
Albert Camus, em o Homem Revoltado, afirmava que Cristo resolveu dois problemas principais: o mal e a morte, dois problemas tão evidentes no nosso pequeno grande mundo. Por isso, a Páscoa que nos preparamos para celebrar, não é uma coisa de 20 séculos mas algo muito presente no nosso quotidiano.
A entrada de Jesus em Jerusalém, vindo de Betânia, assinala o ínicio do caminho de Jesus até à Cruz, momento alto do tempo que vamos viver até domingo.
Jesus chega a Jerusalém sentado num jumento, um burro, que nem cavalo é, aclamado como um rei e de, repente todos aqueles que faziam parte do grupo dos mais importantes começaram a ficar incomodados com este rei que dizia coisas que os punha em causa, a eles e às estruturas e costumes que representavam. Arranjar pretexto para o mandarem prender era tudo o que mais queriam e não seria difícil porque tinham poder, poder que nunca ou raramente transformaram em serviço. E na cidade, as vozes corriam tão velozes quanto naqueles tempos as redes funcionavam: de um lado estavam todos os que se entusiasmavam com Jesus, que fazia o bem por onde passava, como nos lembra o evangelista. Do outro, os que lhe queriam mal por inveja e ciúme do amor que dele e dos seus gestos transbordavam.
A história é sempre a mesma. Ou quase sempre. Esta, apenas é diferente no essencial: a confiança e o amor.
Enquanto os rumores circulavam, Jesus reuniu os seus e antecipando um último gesto, que queria que se perpetuasse para sempre, juntou-os à mesa lugar de toda a intimidade de uma família ou de gente que se quer bem; mas antes lavou-lhes os pés, num ato de humildade que ainda hoje é motivo de escândalo. O rei, viajava num jumento e lavava os pés aos discípulos, para que eles, tal como Ele lhes fez, o fizessem também a outros. É por demais evidente que os senhores do tempo não gostaram da inversão de valores e arranjaram maneira de o prender e de o silenciar, embora nem sequer os que pugnavam pela justiça dos homens encontrassem nele culpa. Diante das injúrias e das calúnias nunca levantou a voz nem foi sobranceiro. Aceitou tudo porque sabia que o seu reino não era deste mundo. E quando foi condenado, carregou a cruz diante daqueles que o tinham aclamado e agora o apedrejavam com palavras e impropérios. No caminho, até ao calvário, cruzou-se com várias pessoas, algumas delas que se compadeceram; outras ficaram indiferentes e outras houve que o ajudaram a levantar-se. A força maior que o acompanhava era a confiança no Pai, mesmo quando lhe pediu para afastar de si o cálice amargo de uma espécie de derrota, que Ele que se fez humano por amor aos homens experimentou ou quando deitou gritou aquele pensamento lancinante de abandono dirigido certeiramente ao Pai: “porque me abandonaste?”.
Foram apenas momentos, como a nossa fé é feita de momentos que juntos fazem um todo, um caminho de dúvidas e de contradições; de zangas e de amuos; de infidelidades e traições, mas sabendo que o amor Dele é sempre maior.
É esta confiança que alimenta a vida cristã; é ela que nos devolve a esperança porque nos sentimos muito amados por Deus. E, esta sexta-feira, a mais santa de todas, quando olharmos para a cruz e descobrimos nela este amor maior que é muito mais do que um aconchego ou um consolo, perceberemos que também nós temos a suprema graça de poder servir, de poder amar e de poder partilhar a nossa e as cruzes dos que nos são próximos levando-lhes esta esperança.
A Páscoa é isto. Hoje e sempre. A vitória da cruz, não como sofrimento mas como lugar de amor.
Não nos cansemos de chorar, de rir e de amar.
Santa Páscoa para todos.
*Este texto foi publicado também no Diário da Lagoa