Por Carmo Rodeia
Diz o povo, e recomenda o bom senso, que não demos passos maiores do que a perna. Desde logo porque podemos ficar sem chão, ou simplesmente, esperarmos mais do que devemos ou as circunstâncias autorizam.
O ditado popular bem pode aplicar-se ao momento que vivemos em Igreja.
Esta semana começou a 2ª sessão da XVI Assembleia do Sínodo, em Roma.
O Sínodo dos Bispos pode ser definido, em termos gerais, como uma assembleia de representantes dos episcopados católicos de todo o mundo, a que se juntam peritos e outros convidados, com a tarefa de ajudar o Papa no governo da Igreja.
O processo convocado pelo Papa Francisco começou em 2021, e as expectativas criadas, como em todos os sínodos convocados pelo atual Papa, situaram-se ao nível da resolução de problemas concretos, e no caso até fraturantes, porque sempre que se fala da Igreja, invariavelmente a agenda mediática acentua de forma absoluta esses problemas. Foi assim no Sínodo da Família, quando se antecipavam saídas concretas para o problema das famílias ditas irregulares por não estarem em conformidade com o Direito Canónico mas, mais uma vez, ele venceu impondo-se a questões pastorais.
Foi assim também no Sínodo da Amazónia, quando se esperava que pudessem existir soluções para o fim do celibato obrigatório dos padres ou a possibilidade de ordenação de homens casados e a desilusão foi grande , não se tendo registado uma linha que fosse sobre o assunto. E, agora, vêm estas e outras questões, como o acesso das mulheres ao sacramento da Ordem, a tensão entre os que defendem a concepção de uma Igreja hierárquica, herança de muitos séculos e os que, alinhados com o Concílio Vaticano II e a sua Constituição Lumen Gentium, entendem a Igreja como Povo de Deus, para já não falar das tensões existentes entre aquilo que é defendido por uma Igreja eurocêntrica e em declínio e uma Igreja das periferias, preocupada essencialmente com a questão social…
As questões da vida concreta não se dirimem a partir de dicotomias e muito menos quando elas se polarizam. A vida, felizmente, apresenta-nos sempre vários caminhos que não se esgotam nestas dicotomias e por vezes para darmos um passo em frente, e não ficarmos sem chão, precisamos de nos desviar ligeiramente, até retroceder, para podermos avançar.
Por isso, tenho para mim que para todas estas expectativas as respostas ficarão sempre aquém e não será ainda neste “Sínodo do povo de Deus”, como lhe chamou a única teóloga leiga convidada diretamente pelo Papa, e que participou num programa do Instituto Católico de Cultura para a RTP Açores, Cristina Inogés Sanz, que será diferente.
Se esperarmos o espectacular poderemos ficar todos desiludidos, embora nunca se saiba, porque o Espírito está sempre presente, acrescentava ela.
O “Instrumento de Trabalho”, que está em cima da mesa dos 368 participantes nesta sessão, 50 dos quais mulheres com direito a voto (o que é uma enorme novidade!), já indicia o equilíbrio da quadratura do círculo, que é sempre ensaiado nestes momentos, sobretudo quando os pólos se radicalizam e há sinais claros de divisão, de perspetivas inconciliáveis até entre os homens de Deus.
Mas cada um de nós é já uma peça sinodal e, portanto, podemos construir com as peças que cada um de nós é. Honestamente, não podemos esperar que a mudança venha de cima, porque isso nunca aconteceu.
O Papa na sessão inaugural apelou a comunidades verdadeiramente sinodais, quase como que num grito a dizer: façam vocês; não estejam à espera que seja eu a dizer o que fazer por decreto ou por imposição. Naturalmente, que para quem não quer mudar, esta falta de dirigismo do Papa é facilitadora: dá para lhe apontar o dedo e sublinhar a sua falta de assertividade , o que agrada aos que se lhe opõem, cada vez mais aberta e despudoradamente e, por outro lado, continuar a meter a cabeça na areia, sem mudar o que quer que seja.
Certo é que este processo de auscultação já nos trouxe coisas irreversíveis: sabemos como podemos fazer a mudança e que temos a capacidade de a fazer a partir de baixo, em cada uma das nossas comunidades. Bastará para tanto termos bispos seduzidos verdadeiramente pela sinodalidade, que está longe de ser um problema teórico-teológico, mas é eminentemente prático, de consciência eclesial, de enquadramento operativo, de transformação de mentalidades e modos de proceder.
Habitualmente a sinodalidade rima com partilha de responsabilidades. Não se trata de substituir o ministério ordenado pelo ministério laical. O Sínodo não serve para dizer que os leigos são melhores que os padres. O que se pretende é que ambos possam caminhar como povo de Deus que são, cada um no seu ministério, cada um com o seu carisma.
A sinodalidade como expressão de identidade eclesial não é um fim em si mesma, mas é caminho de vida ao serviço da missão da Igreja. E essa cabe a todos e para a desenvolver todos são necessários e imprescindíveis e iguais na participação da vida eclesial, na fidelidade aos dons recebidos e tendo sempre o serviço como pressuposto. Afinal de contas e porque é o futuro da Igreja que está em jogo, cada um de nós tem de aprender a ser Igreja de outra maneira. E isso exige conversão, essa sim a verdadeira palavra que rima com sinodalidade, num tempo em que os problemas já estão diagnosticados: um secularismo atroz, na sociedade em geral e nas próprias comunidades cristãs e um problema de credibilidade da própria Igreja, depois da questão dos escândalos dos abusos… de poder e outros.
Esta semana tive o privilégio de acompanhar praticamente na íntegra todos os momentos da primeira visita pastoral do Bispo de Angra às Flores, realizando a sua cobertura jornalística. O sentimento generalizado que colhi foi o de uma vontade de ser Igreja, com exemplos de trabalho e de empenho neste bocado de terra, onde começa a Europa. O problema das Flores é a falta de pessoas e não de vontade nem determinação em por em marcha sinodalmente esta Igreja Povo de Deus. Numa terra com pouco mais de três mil almas haver 200 leigos pastoralmente implicados e dispostos a continuar, reforçando até o seu compromisso nos processos de decisão é um motivo de esperança, quando nos preparamos para viver o Jubileu da Esperança. Oxalá todos tenhamos esta consciência de que todos somos indispensáveis para servir na messe.