Assistente da Comissão Diocesana Justiça e Paz pede mais atenção para a ´pobreza envergonhada´
Os cristãos açorianos devem ser cada vez mais solidários praticando uma “solidariedade racional” defende o assistente da Comissão Diocesana Justiça e Paz.
Numa entrevista ao programa de rádio Igreja Açores, o Pe Júlio Rocha aproveitou a quadra festiva para lembrar que a solidariedade tem de ser ativa e permanente e deve ser ensinada cada vez mais pelas famílias e pela igreja aos mais jovens, pois hoje, a verdadeira pobreza “se calhar” não está tanto do lado de quem pede esmola na rua mas de quem vive com 500 euros por mês.
“Um casal não consegue viver com 500 euros por mês e isto é uma coisa que a igreja tem que ver e denunciar, colocando-se ao lado destas pessoas” refere o sacerdote lembrando que “ nós temos de promover a capacidade de solidariedade das pessoas”.
“Nunca os ricos foram tão ricos, os pobres foram tão pobres e isso só quer dizer uma coisa: que a solidariedade é como o fair play do futebol: uma treta que se diz muito bem mas que não se pratica” salienta.
“Dão-se umas esmolas e não se procura promover a e ajudar quem precisa, sobretudo na vida comum das pessoas. Temos de ensinar as pessoas a viverem a solidariedade”, afirma o sacerdote.
“O mundo nunca foi tão rico como é agora; mas também nunca foi tão pobre. A pobreza é uma questão relacional e as desigualdades entre os mais ricos e os mais pobres têm se agravado” precisa o teólogo destacando que “a desigualdade nunca foi tão grande”.
Numa entrevista sobre a igreja, a diocese e o mundo, neste inicio de ano novo, o Pe Júlio Rocha lembra o problema dos refugiados, para o qual a Europa “tarda” em apresentar uma solução.
Para o sacerdote “não estamos a falar de terroristas” mas “de pessoas muito necessitadas que querem salvar os seus filhos da fome, da guerra e da morte e nós católicos estamos a fechar-lhes as portas”.
“Fechar as portas é uma não solução”, frisa.
Na entrevista ao programa de rádio Igreja Açores, que vai para o ar este domingo ao meio dia no Rádio Clube de Angra e na Antena 1 Açores, o sacerdote refere que o “excesso de globalização” fez o mundo em geral e a Europa, em particular, perder “o sentido de justiça, de solidariedade e de paz”. Uma situação agravada pelo desenvolvimento das tecnologias “que aproximam mas também ´matam´”.
“Nós vivemos no mundo da pós verdade, onde a mentira se institucionalizou, e isso é um problema” porque com ela, “o medo institucionaliza-se também”.
As redes sociais tal como facilitaram a `Primavera Árabe´também promoveram e permitem fenómenos como Trump, nos EUA e Le Pen ou Beppe Grilo, na Europa.
“O lado claro das redes sociais é o encontro, o matar saudades, o estarmos próximos das pessoas que amamos mas também é o lugar da mentira e do medo, exacerbando os comportamentos xenófobos”, adianta o teólogo.
“Hoje é fácil destruir-se uma pessoa e ficar-se no anonimato. Metade das notícias que aparecem são mentiras e meias verdades; pior é que os meios de comunicação social vão atrás e fazem dessa meia verdade ou da mentira uma verdade” como aconteceu nas eleições norte americanas.
“Acompanhei de perto e vi como isso aconteceu: o fenómeno da pós verdade. A verdade não interessa; o que importa é a segurança, e entre a liberdade e a segurança as pessoas optaram e optam pela última”.
“As redes sociais camuflam a verdade e estimulam o medo”, conclui o Pe Júlio Rocha que lembra as semelhanças entre o tempo de hoje e os anos 30.
“Nós estamos a viver quase o que se viveu nos anos 30: o assomar de políticas extremistas, nacionalistas, populistas que depois desembocaram na segunda guerra mundial e que eu espero não aconteça agora porque esse foi o período marcado pelo aparecimento dos egoísmos”.
Por isso, diz o sacerdote, “ouvir hoje o Papa Francisco é como que ouvir os românticos do seculo XIX”.
O assistente da Comissão Diocesana Justiça e Paz encontrou-se no final do mês de novembro com Francisco, por ocasião do encerramento do Ano Santo da Misericórdia, e não esconde a sua admiração por este Papa.
“Como padre sinto-me muito confortado em ter um papa como este” que é “um homem da igreja sem deixar de ser um homem do mundo” que “chama a igreja para os seus verdadeiros fundamentos: os mais pobres”.
“A igreja não tem outro caminho senão o da opção preferencial pelos pobres” diz ainda alertando para o facto de, às vezes, ter-se “uma certa ideia de que Jesus é o servo da igreja e é justamente o contrário: é imitando Jesus que servimos a igreja”.
“Jesus rompe com tabus, tem uma preferência pelos pobres, não tem medo e tem uma mensagem de salvação que passa pelo amor e por dar a vida. Nós vivemos na Europa e nos Estados Unidos uma igreja demasiado aburguesada” sublinha o sacerdote.
“Francisco está a tornar a igreja mais próxima das pessoas, com maior capacidade de acolhimento, de abraçar” refere precisando: “o papa francisco é um grande abraço, que permite que se abram grandes avenidas de comunicação”.
“O que o Papa diz ouve-se; toda a gente o ouve”, ainda que “os inimigos da igreja, não o escutem mas é a única pessoa que consegue ser ouvida no mundo inteiro e às vezes os seus maiores inimigos estão dentro da igreja e isso é um problema que temos de resolver por via do diálogo e de paz para que não haja confrontos dentro da própria igreja”, afirma o sacerdote.
Na entrevista que vai para o ar este domingo e que pode ouvir aqui também no Sítio Igreja Açores a partir do meio de amanhã, fala ainda do sacerdócio e dos desafios lançados por este pontificado; do terrorismo inspirado no mal; das expetativas para 2017 e das suas inquietações pessoais.
A entrevista ao Pe Júlio Rocha foi conduzida por Tatiana Ourique