A Quaresma no mundo digital

Por António Pedro Costa

Foto: Igreja Açores

Eis que mais uma Quaresma está de volta, um tempo de recolhimento e reflexão, em que muita das vezes o nosso povo a associa a uma quadra marcada apenas pelas sombras da tristeza, pela renúncia e pelos sacrifícios .

A Quaresma convida-nos à introspeção e ao desapego do supérfluo. Contudo, mais do que um tempo obscuro, é uma oportunidade de renovação. Como a terra que precisa de ser trabalhada antes da sementeira, também nós somos chamados a preparar o coração para a festa das festas, a principal de todas no calendário religioso cristão, a Páscoa, que nos traz a luz da Ressurreição.

Mesmo para aqueles que não seguem práticas religiosas, este período pode ser um convite à reflexão e à renovação interior. Alguns podem vê-la apenas como uma tradição cultural, associada à Páscoa e a costumes familiares, como evitar carne às sextas-feiras ou recordar os valores de sacrifício e solidariedade. Outros podem aproveitá-la como uma oportunidade para momentos de introspeção, repensando hábitos, valores e relações pessoais.

Mesmo sem a participação ativa na Igreja, um “católico não praticante” pode viver a Quaresma de maneira pessoal, seja praticando pequenos gestos de renúncia ou reforçando o compromisso com o bem-estar próprio e dos outros. No fundo, a essência da Quaresma pode tocar qualquer pessoa, independentemente do grau de prática religiosa.

O jejum, a oração e a caridade não podem ser meros sacrifícios, mas gestos que nos libertam, que nos tornam mais humanos, mais próximos dos outros. Em vez de lamento, a Quaresma pode ser vivida como um caminho de esperança.

Assim, sendo, neste Ano Santo Jubilar, a Quaresma adquire um significado ainda mais profundo. É um tempo privilegiado para cada um de nós redescobrirmos a essência da misericórdia e para renovar a nossa fé com esperança.

É certo de que a Quaresma poderá ser encarada como um período de privação e sacrifício, mas deve, sobretudo, ser vista como uma oportunidade de renovação espiritual, tudo dependendo da forma como a vivemos. Se nos fixarmos apenas na renúncia, poderemos senti-la como um tempo pesado, sombrio. Mas se a encararmos como um convite à transformação interior, perceberemos que é um caminho de esperança.

Neste Ano Santo, somos chamados a atravessar este tempo não com tristeza, mas com confiança, porque a Quaresma não nos afasta da vida, mas aproxima-nos da sua verdadeira essência, tendo em vista vivê-la como um tempo de graça.

Outrora, a Quaresma era vivida com grande rigor e solenidade, refletindo a forte influência religiosa na vida do dia a dia. Era um tempo de penitência profunda, marcado pelo jejum, pela oração e pelas obras de caridade, tudo num tom muito mais severo do que o praticado hoje.

Durante os 40 dias, devíamos evitar a carne, ovos, laticínios e, em alguns casos, até peixe. O pão, os legumes e a água eram a base da alimentação. Apenas uma refeição diária era permitida, geralmente à tarde. No entanto, com o passar do tempo, essas regras foram sendo suavizadas.

As igrejas adaptavam-se ao espírito penitencial, ou seja, os altares eram despojados de ornamentos e forrados de preto, os sinos quase não tocavam e o canto ganhava um tom mais fúnebre.

Era o tempo da “desobriga”, sendo obrigatório os fiéis irem à confissão, a fim de ter mais sentido o período de purificação individual. Além disso, a caridade, tal como é ainda praticada é incentivada, convidando-se os cristãos a doarem alimentos ou ajudarem os pobres, ou ações específicas em favor de países em situação de carência, isto como forma de sacrifício e partilha.

A Quaresma marcava o ritmo da vida social, em que festas, casamentos e celebrações públicas eram desaconselhados ou proibidos. No mundo rural, as tabernas fechavam, as violas, rabecas ou violinos e todo o tipo de instrumento musical eram arrumados no sótão, até ao sábado da aleluia.

Assim, a Quaresma em tempos recuados era um período de grande austeridade, mas também de preparação espiritual, visando a renovação da fé na Páscoa. No entanto, como incentiva o Papa Francisco, neste mundo digital, o cristão deve optar, como forma de renúncia quaresmal, por reduzir o uso das redes sociais ou do telemóvel para se focar mais na vida espiritual e no contato com os outros.

 

 

 

 

 

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