Pelo Pe. Hélio Soares*
O azulejo é geralmente usado como elemento associado à arquitetura em revestimento de superfícies interiores, exteriores ou como elemento decorativo isolado. Com diferentes características entre si, este material tornou-se um elemento de construção divulgado em diferentes países, assumindo-se em Portugal como um importante suporte para a expressão artística nacional ao longo de mais de cinco séculos. A adaptabilidade do azulejo à arquitectura é algo que o caracteriza, particularmente no período barroco, valorizando a configuração espacial e a capacidade de adequação aos programas decorativos e iconográficos, nos edifícios para os quais foi concebido.
A historiografia é unânime em afirmar que o último quartel de Seiscentos e as primeiras décadas de Setecentos, foram pródigas na reforma de conventos, igrejas e palácios, em resultado da paz e prosperidade vividas, mas também do surgimento de um sentido de renovação estética que se viveu nos reinados de D. Pedro II e de D. João V. Os temas sagrados são os mais comuns: história das vidas dos santos, os ciclos da vida da Virgem Maria e da vida de Cristo. A Igreja açoriana e o Mosteiro da Esperança, em particular, não ficaram alheios a esta realidade que se impôs e se propagou por todo o mundo português.
Inicia-se um período áureo da azulejaria portuguesa, o Ciclo dos Mestres. É um período da história do azulejo em Portugal, entre o final do século XVII e 1720. Cada um dos pintores afirmou-se graças à sua aprendizagem da pintura a óleo. José Meco observa que os pintores souberam encontrar a escala ideal das figuras a introduzir nos revestimentos, de modo a que estas não colidissem, mas antes se harmonizassem, com a dimensão total das composições e a malha definida pelas reticulas dos azulejos (Meco, 1985). A qualidade da pintura é notória, inspirada nas gravuras europeias ao tempo em circulação. Neste período destacam-se nomes como António Pereira, Manuel dos Santos, PMP, António de Oliveira Bernardes e o seu filho Policarpo de Oliveira Bernardes, responsáveis pelas mais sofisticadas criações da azulejaria figurativa portuguesa deste período.
Como era então processada a encomenda? Um processo complexo que vamos tentar sintetizar: primeiro, ocorria a assinatura de um contrato entre o encomendador e o azulejador, isto é, quem tratava das obrigações contempladas no contrato; em seguida o azulejador escolhia um pintor de azulejos, o qual poderia deter uma oficina/olaria própria ou não. Por sua vez, cabia ao oleiro os aspectos técnicos da obra e ao ladrilhador a articulação com a olaria e com os pintores. É importante ponderar sobre a flexibilidade destas funções, podendo um indivíduo assumir mais de uma atividade simultaneamente, ou mesmo, intercalar a atuação em distintas áreas.
António de Oliveira Bernardes (1662‑1732) foi, com certeza, o mais importante pintor deste período. Natural de Beja realizou a sua aprendizagem no âmbito familiar e na oficina do pintor Marcos da Cruz. Foi pintor de têmpera e a óleo, ficando conhecido como pintor de azulejo mural e de cavalete. A sua oficina ficava situada no bairro das Olarias, a Santa Catarina, em Lisboa, foi a mais importante escola de pintores de azulejos da sua época (Az Infinitum). Este pintor destaca-se, segundo José Meco, pelo requinte (…) no tratamento das paisagens, na dilatação dos fundos e na composição proporcionada das figuras,(…) atingiu soluções dinâmicas de claro-escuro e alguns valores impressionistas notáveis (Meco, 1985). Entre as obras assinadas, e que tanto contribuem para uma definição efectiva do que foi a sua produção azulejar, encontra‑se o revestimento do coro‑baixo do Mosteiro da Esperança, em Ponta Delgada – An.to deoliura Bd.es / fecit.
O conjunto de azulejar é composto por 12 painéis da vida de Maria e de Jesus, cada um contendo 14 azulejos de altura e 12 de largura, separados entre si por barras de 3 azulejos. Estas barras têm uma decoração em acantos enrolados e anjos ao estilo barroco. O projeto inicial incluía mais dois painéis, que por motivo de falta de espaço não foram aplicados, depreendendo-se que quem tirou as medidas esqueceu-se de referenciar os vãos das portas de comunicação interior. Outro aspeto curioso é a probabilidade de António de Oliveira Bernardes não ter executado a totalidade da obra, tratando-se de uma obra de oficina, porque as diferenças de tratamento entre os painéis são claras, ainda que a mão do mestre se destaque em imagens como a de Cristo crucificado (Gago da Câmara e Carvalho, 2015).
No que respeita à datação, muito embora não se conheça o ano da sua execução, a existência no Museu Carlos Machado de um azulejo com a data de 1712, proveniente de um dormitório do Mosteiro demolido em 1915, pode ajudar a balizar a encomenda do coro‑baixo. Por outro lado, o frontal em azulejo do altar colateral da Igreja de N. Sr.ª da Luz, do mesmo pintor, com a inscrição anno de 1713, também contribui para a referida datação.
Em jeito de conclusão, pode-se dizer que encomenda destes painéis se deve ao incremento da devoção ao Senhor Santo Cristo, no início do séc. XVIII. Provavelmente, esta encomenda teve o alto patrocínio dos Condes da Ribeira Grande, após a conclusão da segunda capela, anterior á atual, sensivelmente em 1707.
*O padre Hélio Soares é ouvidor das Capelas