Padre Marcos Miranda acompanha semanalmente reclusos e afirma que na prisão “tem de haver lugar para a Esperança”
A recuperação de alguém que fez mal aos olhos da sociedade e foi privado de liberdade deve ser a principal missão do sistema prisional, que se apresenta como “uma oportunidade de mudança” afirma o capelão do Estabelecimento prisional de Angra, o maior da região e a mais nova cadeia das 49 que existem em Portugal.
“O sistema prisional pretende ser uma oportunidade de mudança, que passará pelo cumprimento de uma pena mas que durante o tempo do cumprimento da pena deve proporcionar a possibilidade de recuperação dos reclusos, criando oportunidades de socialização, de crescimento intelectual e ao nível de relações” afirma o padre Marcos Miranda, capelão desde 2020.
“Tendemos a achar que as pessoas estão em reclusão são aquelas que não queremos ver, que damos como casos perdidos ou que pretendemos ignorar. Da parte dos reclusos é o contrário: eles querem que reparemos neles e reparemos neles não a partir da sua falha, ou dos seus erros, mas que possam ser vistos como pessoas” prossegue sublinhando que nem sempre isso acontece.
“Um recluso sofre com o estigma do erro e da consequente reclusão” e a reclusão “é um carimbo que fica e que fica para a vida inteira”.
“A nível social precisamos de fazer algum caminho no reconhecimento do recluso” afirma ainda destacando que a própria Igreja precisa repensar a forma como encara a pastoral penitenciária.
“Eles expõem-se e abrem-se; não falam da sua história com orgulho mas gostam de sentir que estamos ali não para os julgar mas para os acolher no que têm de bom e menos bom” constata depois de quase cinco anos ao serviço desta pastoral da Igreja, trabalho que desenvolve regulamente todas as semanas juntamente com um grupo de voluntários, agora mais reduzido por causa dos novos horários em que podem prestar assistência espiritual e religiosa aos reclusos: dois momentos celebrativos à segunda e à sexta, para homens e mulheres respetivamente; um momento formativo, com catequese às terças feiras e “sempre que é feito algum pedido especial e particular”.
“Vivemos numa sociedade em que é mais fácil ignorar o que nos incomoda e mais fácil pensarmos naquilo que nos pode ferir e tirar da vista o que pode ser para nós um desconforto. E fazer diferente é o nosso trabalho enquanto Igreja : olhar para aqueles homens e aquelas mulheres que têm um rosto, que têm feridas, que poderiam ser as nossas e que muitas vezes poderiam ser as nossas mas olhar-los no rosto sem desviar” enfatiza.
“Jesus esteve ao lado dos mais frágeis e a Igreja tem de estar ao lado desta população que é tão frágil. Para além da privação da liberdade, há carências afetivas, outras carências que resultam do meio em que está e que não é fácil” refere.
“ Os reclusos são pessoas como nós” diz sublinhando a ideia de que a reclusão não implica o desrespeito pela dignidade da pessoa. Questionado sobre se ela é respeitada na íntegra, responde: “gostaria de dizer que sim, mas tenho algumas dificuldades”.
Os Açores têm três estabelecimentos prisionais. Além do de Angra, que possui cerca de 230 reclusos atualmente, existe a cadeia da Horta com dezena e meia de reclusos e a cadeia de Ponta Delgada, que nas últimas semanas voltou a ser notícia pela sua condição de sobrelotação, exiguidade e degradação de instalações.
“Nem sempre é fácil trabalhar. É uma situação difícil e complicada que gostaria que fosse diferente. Quem está em reclusão tem de ser tratado com dignidade. Não deixam de ser pessoas embora tenham feito mal. Não há palavras que descrevam a privação de liberdade e tudo o que lhe está associado” refere , por seu lado, a Irmã Virgínia Dantas, religiosa da Congregação das Irmãs da Santa Face, que acolhe e lida com reclusos neste Estabelecimento Prisional há 16 anos.
“As saudades da família, sentirem que não podem ter uma conversa, a privação de tudo o que tinham diariamente…A privação da liberdade condiciona-os e acentua a sua fragilidade” diz a religiosa.
“Depois surgem os conflitos, os castigos e é uma bola de neve”, refere ainda.
Este ano o bispo de Angra gravou a sua mensagem de Natal no Estabelecimento Prisional de Angra e pediu aos reclusos que nunca desistam de mudar. O Papa, para assinalar e celebrar o Jubileu da Esperança, que a Igreja vive este ano, abriu uma Porta Santa na cadeia romana de Rebibbia e tem apelado a um esforço de redução de penas para crimes que não sejam de sangue, como expressão da misericórdia dos homens. Mas como levar a misericórdia de Deus e explicá-la a quem foi condenado, é uma pergunta que se coloca.
“Não é fácil falar de Jesus sem que pareça que há alguma ligeireza. É um processo longo e difícil, que procuramos fazer na catequese e na proximidade: explicar o amor de Deus permitindo que eles (reclusos) reconheçam o seu passado e o integrem nas suas vidas, percebendo que erraram mas que não são o erro e Jesus ama-os para além do erro, sem que isso signifique uma desculpabilização”, refere o padre Marcos Miranda.
“Falar da misericórdia divina a um recluso é dizer que apesar de tudo Deus ama e que a Misericórdia de Deus é total. Mas o recluso deve ter consciência do mal e arrepender-se. Isso é caminhar no amor de Deus. O olhar de Deus ilumina, o abraço de Deus transforma, o amor de Deus perdoa”, afirma salientando que a prisão é também um lugar de esperança.
“Falar de Jesus a um recluso é dizer-lhe que Jesus Cristo é prisioneiro com ele e quando Jesus Cristo se aproxima da vida e entra no coração é para ajudar a transformar e recomeçar”, afirma o sacerdote.
“A esperança que levamos à prisão não é uma fezada em que tudo vai correr bem na vida; quando falamos da esperança é saber que podemos esperar e sonhar, posso acreditar e descobrir que se tudo der errado o Senhor está comigo” esclarece o capelão.
Já a Irmã Virgínia Dantas afirma que “o sistema prisional, por vezes, pelas condições de reclusão, não permite que eles tenham esperança” porque assenta ainda muito no carácter “punitivo” em vez do “reabilitador”.
“Precisamos de que o tempo de reclusão possa permitir à pessoa reerguer-se; seriam necessárias mais soluções para quando saem da cadeia, etc, etc, para que a reclusão pudesse significar mudança de vida”, avança a religiosa a partir da sua experiência.
“A prisão deveria ser uma escola de valores. Os reclusos até são muito recetivos ao que dizemos, embora a escuta seja a prioridade, mas muitas vezes sentimos que temos pouco tempo para estar com eles”, conclui a voluntária da Cadeia de Ponta Delgada onde é celebrada uma missa semanalmente.
O Conselho da Europa elogia o esforço de Portugal para melhorar as condições de reclusão, mas assinala que persistem problemas como a degradação das infraestruturas e a sobrelotação.