Médico e professor da Faculdade de Medicina do Hospital de São João no Porto foi o orador convidado do segundo “Diálogo no Tempo” sobre a “Esperança na doença, na morte e no luto”
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Realizou-se esta sexta-feira, no auditório do Hospital do Divino Espírito Santo em Ponta Delgada o segundo `Diálogo no Tempo´, promovido pelo Instituto Católico de Cultura da diocese de Angra, e Filipe Almeida, conferencista convidado, defendeu a humanização dos cuidados de saúde, que não podem limitar-se a questões terapêuticas mas devem atender sobretudo à dimensão antropológica do doente.
“Para além do reconhecimento da doença, compete a cada médico descobrir cada doente na intensidade das suas referências culturais, afetivas, sociais e espirituais e partir ao seu encontro no tempo de viver e no tempo de morrer, com autenticidade” afirmou o único português membro da Academia Pontifícia para a Vida, do Vaticano, nomeado em março de 2015, quando desempenhava as funções de professor e diretor do Departamento de Educação e Simulação Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, permanecendo como consultor do Papa.
Numa conferência sobre a “Esperança na doença, na morte e no luto”, promovida pelo Instituto Católico de Cultura, em parceria com a Comissão Diocesana da Pastoral da Saúde e a Associação de Médicos Católicos, de que faz parte, o pediatra intensivista, lembrou que a “Medicina não dispõe de fé no seu arsenal terapêutico, mas deve e pode abrir portas para que a esperança possa florir em cada jardim das oliveiras”, em que se transforma cada vida marcada pelo sofrimento, sobretudo quando se está diante de uma doença incurável seja do próprio seja de um familiar.
“Não basta cuidar o corpo que morre mas é preciso cuidar o homem que morre” afirmou ao sublinhar que o determinismo biológico, a angústia, a incerteza e a ideia de imortalidade criada pela ciência não pode desviar a atenção do essencial que “é morrer bem” porque “a morte não é necessariamente a experiência do nada” , afirmou salientando que o exercício da medicina deve questionar cada vez mais o sentido e a finalidade da sua ação.
“A medicina tem de reconhecer a dignidade humana”, mesmo quando algumas faculdades “estão abaladas a dignidade não se abate”, e não considerar-se derrotada quando do ponto de vista farmacológico ou tecnológico nada mais pode oferecer ao doente para lhe garantir.
Insurgindo-se contra uma medicina centrada na produtividade e na eficiência, ambas reconhecidas como necessárias, o fundador do Serviço de Humanização do Centro Hospitalar de São João, elegeu a parábola do Bom Samaritano como o paradigma de uma medicina que transforme o profissional de saúde “num ator terapêutico”, comprometido com “o outro na sua cabal condição medular de doente, onde cada registo biográfico é único e frágil”.
“O Samaritano reconhece no homem caído na estrada o doente e aproxima-se, por sua própria iniciativa e seguindo uma liberdade marcadamente ética, parte para o encontro que deseja, reconhecendo não só o direito do doente de ser amado como reconhece em si o dever de o amar”, diz.
“Tal como o Samaritano cumpriu a beneficência, entendeu a sua autonomia e tornou-se digno de si reconhecendo a dignidade do doente e levando o doente até à estalagem, exercendo a sua responsabilidade com solicitude” também o profissional de saúde “é convocado para um diálogo aberto profundamente à interioridade de cada doente para o ajudar a uma cabal compreensão do seu adoecer, não da sua doença, mas do seu adoecer”.
Por outro lado, lembrou, o Samaritano “foi virtuoso porque se disponibilizou interior e livremente para a procura do bem do outro. Foi criativo e foi livre. Soube colocar-se à sua própria disposição e assumiu-se livre para se expor ao risco da relação” prosseguiu sublinhando que “foi esperança acontecida”.
“Esta dinâmica é a que deve acontecer na medicina especialíssima do acompanhamento não me colocando no lugar do doente mas colocando-me na sua companhia, a seu lado, partilhando tempos e espaços, afetos, vivendo numa atenção desmesurada de humanidade para a concretização da amizade, caminhando lado a lado” , disse ainda.
“Não é a intensidade tecnológica ou farmacológica mas a intensidade da relação humana assente na dignidade e no seu respeito que está em causa: uma medicina que permita ao velho homem doente, sem sentido, descobrir-se um novo homem doente com sentido para viver a sua doença e a sua vida” enfatizou deixando a marca da “escuta”, “compaixão”, “relação”, “amizade” e “horizontalidade” na relação médico /paciente, como essenciais para uma medicina humanizada.
“Cada ser humano é um ser em relação, mesmo que algumas faculdades estejam abaladas, a dignidade não se abate; mesmo quando as capacidades cognitivas estão seriamente comprometidas não deixa de ser membro da comunidade e, portanto, cada vez mais necessitado dela” afirma o clínico.
“Dependência não reduz dignidade; apenas acrescenta exigência ao respeito que lhe é devido”, pois “diante de maior vulnerabilidade temos de responder com maior solicitude”, disse ainda.
“Não haverá nunca esperança se não nos aliviarem a dor, o sofrimento, nos matarem socialmente e fizerem morrer afetivamente, nos condenarem ao vazio. Diante de tudo isso, como continuar a viver?”, interpela sublinhando que “não será o encantamento da morte que me poderá desejá-la, mas o horror de uma vida dolorosa, a tentação para ensaiar uma fuga, fuga que tantas vezes encontrará na morte da vida a única possibilidade de matar esta vida”, para se insurgir contra a eutanásia.
“Nestas circunstâncias- prossegue- o doente apenas quererá matar esta vida tornada insuportável. E, assim, não me surpreende que alguém que foi transformado em algo queira desistir. Surpreende-me, sim, é que eu , profissional de saúde, concidadão, não seja capaz de entender este mecanismo eutanasiante do qual posso ser, pelo erro do meu agir, não pequeno responsável, por uma decisão indigna, injusta e inumana”.
“Eutanásia moral é deixarmos de ser esta esperança”, diz ainda.
“A ética nos cuidados de saúde humanizados inspira-nos à prática da beneficência: devo então agir facilitando o bem do meu doente, na descoberta de uma alteridade que dele não me distancia, pelo contrário me aproxima, recusando fazê-lo solitário, dele tornando-me solidário”, afirmou.
“Quem é o médico para o doente se não aquele que constitui a esperança de dilatar a vida terrena? Quantas vezes será o médico o último reduto da esperança? E este é um papel que o médico não pode declinar”, disse, frisando que “a esperança de cada doente apela a uma resposta terapêutica no horizonte da amizade”.
“Devemos ser amigos dos doentes” referiu, “assistindo o doente no seu tempo de morrer”, o que constitui “uma obrigação médica de inegável beleza” para a qual “há uma impreparação curricular”, que “exige um esforço acrescido de formação e de compromisso de cada médico e de cada profissional de saúde”.
“A morte não é uma falha ou uma incompetência profissional mas o tempo que reclama dos profissionais de saúde um olhar singular, capaz de reconhecer no cuidar o expoente da medicina cuidando do conforto do espirito, no alivio prudente do sofrimento e na ajuda a uma busca de sentido. Isto é uma valência de vitoria e não de derrota”.
Durante a conferência, em que propôs a audição de dois trechos de Berlioz, citou Lèvinás, Freud, Edith Stein, Heidgger, Daniel Serrão e Daniel Fria, entre outros, Filipe Almeida defendeu sempre que os cuidados paliativos oferecem aos profissionais de saúde “uma oportunidade de concretizar a sua mais nobre missão: estar e ser” porque é aqui que se “agudiza o sentido da esperança”.
“Um doente paliativo é um doente que tem uma doença incurável mas onde a medicina tem um papel importantíssimo no acompanhamento intensivo do doente” disse, depois de agradecer o convite que lhe foi endereçado para falar sobre este tema que o tornou também peregrino da esperança, “que é o fruto do primeiro verbo que a vida nos ensina a conjugar, que é o verbo amar”.
“Esperar e amar, um diálogo humano misterioso, vivo, profético, exigente, modular, indissociável no rasto de um viver vencedor. A esperança não vive sozinha, nem me deixa só, menos ainda fechado. No momento em que escolhemos amar, começámos a corrida para um seguro desconhecido, cientes, como Edith Stein, de que o que vale a pena possuir, vale a pena esperar”. Por isso, afirmou, “falar de esperança nos caminhos da saúde, do sofrimento e da morte é percorrer a esperança nos pátios mais duros do desespero, onde mergulhado nestes campos calejados da vida, compreendi bem melhor a missão que ao médico incumbe”.
“Prevenir, diagnosticar e tratar, naturalmente. Mas acolher cada doente que nos limites sensíveis da vida pede uma real parceria humana para o viver o seu mais dramático percurso, que é o do adoecer. Quantas vezes o do seu morrer” , alertou desafiando todos os profissionais de saúde e voluntários que trabalham em meio hospitalar presentes.
O padre Paulo Borges, da Comissão Diocesana da Pastoral da Saúde, que moderou a conferência e as perguntas que se seguiram, lembrou que “Morrer está longe de ser uma ciência exata, pois cada pessoa é um mundo. E a doença é um processo tão individual e singular que tem de ser visto de forma particular”.
“Quando se cuida de alguém que está a morrer, com a mesma ternura com que se recebe um recém-nascido, transforma-se num processo meótico do sagrado, pois ambos assemelham-se na fragilidade” disse ainda o capelão do Hospital do Divino Espirito Santo que acolheu a iniciativa.
“O último gesto que a pessoa que está morrendo necessita é apenas o testemunho compassivo do seu sofrimento. Alguém que a compreenda, sem julgamentos, como que lhe oferecendo uma bênção, para que possa partir em paz, crentes que aquele sofrimento pode ser transformado e redimido”, concluiu na breve introdução que fez ao tema.
O diretor do Instituto Católico de Cultura, Monsenhor José Constância, explicou o sentido destes Diálogos no Tempo, e referiu-se a este em particular.
“Num mundo tão cheio de possibilidades, encontros e descobertas, inteligência artificial, mas tão tocado pelas coisas severas da vida, como a doença, a morte, o luto, este assunto tão belo, a Esperança tem para além de mais um sabor da resposta de sentido, que explode e toca o sentido da vida, na fragilidade que se manifesta na doença, nas perguntas, porque temos tanto medo de morrer, a morte, a morte e depois, o luto, como atravessá-lo”, disse.
Os próximos dois Diálogos no Tempo realizam-se nos dias 20 de fevereiro e 26 de março. Na próxima Semana Susana Goulart Costa, professora Universitária e coordenadora do Projeto DIO 500 que está a elaborar a História Religiosa dos Açores irá falar sobre a “História dos Jubileus na Diocese de Angra nos séculos XVIII e XIX, no Cineteatro lagoense, às 20h00. No dia 26 de Março, na Igreja de São José, por ocasião do Dia do Pai , que a Igreja celebra a 19 de março, três famílias irão dar o seu testemunho de vivência da parentalidade, e serão comentadas pelo médico João Ribeira, havendo no início uma atuação do Coral de São José, dirigido pelo maestro Filipe Carreiro e no órgão estará Isabel Albergaria.