Jovem dehoniano vai ser ordenado no dia 25 de julho em São Miguel
Gil Silva, 32 anos, diácono, religioso da Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus, será o primeiro sacerdote dehoniano ordenado, oriundo do único Centro Missionário da Congregação nos Açores.
A ordenação, presidida pelo Bispo das Forças Armadas, D. Manuel Linda, será na igreja do Livramento, uma da paróquias da ouvidoria da Lagoa, na ilha de São Miguel, assistidas por sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus, no dia 25 de julho. No dia seguinte celebrará a Missa Nova, na paróquia que o acolheu quando tinha três anos e meio e regressou com os pais e o irmão, mais velho, do Canadá, Conceição na Ribeira Grande.
Há pelo menos 12 anos que está fora da região. Estudou no Porto, Alfragide e agora reside de novo na invicta, numa das comunidades da Congregação.
Nas vésperas da festa que diz que não é para si mas “sim para dar Graças a Deus por continuar a chamar e a dar vocações” aceitou falar com o Sítio Igreja Açores sobre a “sua vocação”, o percurso “de conversão que procura fazer”, dos jovens e dos problemas que eles enfrentam “que não são diferentes dos de outros tempos” e, sobretudo, das respostas que a igreja tem que dar para “reintroduzir este Deus do amor na vida das pessoas”.
Diz, ainda, que gostaria de partir em missão para fora do país, mas para já, a viagem mais próxima que está agendada é a Roma para participar no encontro de jovens religiosos consagrados com o Papa Francisco, em outubro.
Sítio Igreja Açores- Quem é o Diácono Gil Silva?
Diácono Gil Silva- Sou filho de pais emigrantes no Canadá que sempre tiveram o sonho de regressar à terra e, felizmente, conseguiram-no. Eu e o meu irmão nascemos lá e, depois do nosso nascimento, quando eu tinha três anos e meio e o meu irmão sete, decidiram regressar. Era naquela altura ou nunca mais seria, como eles próprios admitem. E viemos todos para os Açores, para a Ribeira Grande.
Sítio Igreja Açores- Tem 32 anos. Fez a sua escolaridade toda nos Açores. Como é que surgiu este caminho e porquê a ligação aos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus?
Diácono Gil Silva- É simples. Uma das empregadas aqui do Centro Missionário foi a minha primeira catequista e depois um familiar dela, já quando eu era mais velho. Nessa altura, propôs-lhe que ele organizasse uma espécie de retiro/encontro aqui no Centro e ele fê-lo e eu fui um dos jovens que vieram a esse retiro. Durante o encontro, no qual fizemos montes de coisas, inclusive jogar futebol, o que era especialmente atrativo para rapazes do sétimo e do oitavo ano de catequese, tivemos de preencher uma ficha onde nos era perguntado o que gostaríamos de fazer no futuro. Eu, entre outras coisas como ser bombeiro, acho eu, coloquei que queria ser padre.
Sítio Igreja Açores- Missões parecidas… pelo menos na ideia de serviço…
Diácono Gil Silva- Pois… julgo que essa ideia de servir e de estar ao serviço dos outros era a base das minhas preferências…Depois da Páscoa seguinte recebi um cartão em casa a convidar-me para um encontro já mais específico aqui no Centro. O que, aliás, foi motivo de gozo geral na família, sobretudo do meu irmão que começou logo a brincar e a dizer “eles vão obrigar-te a seres padres”, “vais ficar lá”. Apesar de nervoso vim e foi um encontro muito tranquilo. Dos quatro rapazes que viemos, dois estão casados e o outro está no Luxemburgo. Foi muito interessante. Gostei bastante e no fim do encontro o Pe Agostinho Pinto perguntou-me se fosse convidado se voltaria e eu disse-lhe que sim. E foi assim que começou esta ligação aos Dehonianos. Fui participando em encontros até que quando começou o secundário decidi ir para ciências, mas no 12º ano vim viver para o Centro Missionário. Fiz os exames passei, mas fiquei mais um ano a fazer as disciplinas de humanidades pois eram importantes para um futuro ingresso no Seminário. Acabei tudo, fui para o Porto fazer os dois anos iniciais. Depois o noviciado, no fim do qual fiz os primeiros votos e depois Alfragide, onde temos o Seminário Maior.
Sítio Igreja Açores- Foi um longo percurso…
Diácono Gil Silva- Sim e no meu caso foi até mais um ano que o normal porque acumulei disciplinas, que fiz no fim. Além, é claro, das peripécias que envolveram a minha tese que me custou muito, com alguns momentos de desânimo, ao ponto de ter duvidado se esta era mesmo a minha vocação. Fui apoiado por muita gente que me ajudou, sobretudo no discernimento. A minha pergunta era: se eu não era capaz de fazer um trabalho de recolha, sistematização e tratamento de documentação como é que eu iria ser capaz de ajudar uma comunidade?
Esta dificuldade que eu senti, julgo que me ajudou a crescer, sobretudo a ser humilde.
Sítio Igreja Açores- Vai ser ordenado com 32 anos, não é propriamente uma “criança”…
Diácono Gil Silva- Não…é aos 32 anos porque eu tive de maturar algumas coisas porque não quis dar um passo que fosse maior que as minhas pernas. Não é que agora esteja pronto, acho que nunca estamos, mas sinto-me mais maduro. Há um peso enorme que eu já sinto, embora me digam que vou sentir ainda mais, assim uma espécie de borboletas no estômago…Sinto para já um peso que peço todos os dias a Deus, que através da sua graça, me ajude a superar. São Paulo dizia que “onde abundou o pecado superabundou a graça” e eu estou à espera dela, para que me suporte.
Sítio Igreja Açores- Está assim com tanto receio de ser padre?
Diácono Gil Silva- Não é bem receio. Só saberei o que é depois de o ser. Daquilo que contam e do que dizem é um peso…
Sítio Igreja Açores- Peso de quê? Do que é que efetivamente tem medo de não corresponder às expetativas, de não ser capaz, de se ver sozinho?
Diácono Gil Silva- É isso tudo. Acho que quando somos ordenados há uma outra responsabilidade. Eu não tenho pretensões e nunca chegarei aos calcanhares de Cristo por mais que tente, mas ter a responsabilidade de orientar, de levar as pessoas no seu caminho e poder falhar, é o primeiro medo. Também as expetativas que as pessoas têm em relação ao sacerdote… eu reconheço-me pequeno e sei que tudo o que vai acontecer será vontade de Deus. Agora, o que eu não gostava que acontecesse é que as pessoas esperassem de mim esta possibilidade de lhes levar Deus e no momento em que elas mais precisem eu falhar e não conseguir dar.
Sítio Igreja Açores- O medo impede-nos de sermos, de caminharmos… a angústia apesar de tudo é diferente. É um sentimento mais pessoal: eu não sei bem quem sou, o que faço e por isso o meu coração está permanentemente agitado. Como Sara que não conseguia dar um filho a Abraão…
Diácono Gil Silva- Pois… eu acho que também não é angústia propriamente dita. Acho que ainda não encontrei as palavras certas… o peso da cruz estará sempre presente. Mas como o Deus da cruz é o Deus ressuscitado, eu espero conseguir. No fundo, que esta cruz se transforme em amor…
Sítio Igreja Açores- Mas a Cruz é Amor…
Diácono Gil Silva- Sem dúvida…A cruz pela cruz é sofrimento e o sofrimento pelo sofrimento não presta. Agora, quando o sofrimento é por amor deixa de ser uma cruz. É isso que eu espero também para mim.
Sítio Igreja Açores- Qual é a sua expetativa em relação à ordenação?
Diácono Gil Silva- Mais do que dar eu vou receber, tanto, que não vou ser capaz de receber tudo. Gostava de ser um vaso de barro que recolhesse tudo, mas sei que não vou conseguir isso porque sou demasiado pequeno. E esta é a principal dificuldade, se calhar a causa deste peso…
Sítio Igreja Açores- Como é que a sua família recebeu toda esta caminhada?
Diácono Gil Silva- A minha mãe gostaria que eu casasse, tivesse filhos e ficasse à volta dela. Mas julgo que já aceitou. O meu pai, entretanto, sempre nos deu muita liberdade, mas sempre acompanhada de uma enorme responsabilidade. Lembro-me dele me dizer: escolhe o que quiseres que nós estaremos sempre aqui para ti, independentemente do bem ou do mal que fizéssemos, quer eu quer o meu irmão. E isto deu-nos segurança. A mim, particularmente, deu-me imensa segurança.
Sítio Igreja Açores- Acha que é isso que está a faltar nas famílias e que depois condiciona de alguma forma a estabilidade dos jovens hoje que têm tanta dificuldade para assumirem compromissos, sobretudo no que respeita à vida religiosa?
Diácono Gil Silva- Ao longo do meu caminho sempre me deparei com esta reflexão. Não tenho presentes estatísticas. Julgo que temos menos gente nos Seminários, mas a percentagem dos ordenados é capaz de ser a mesma. Mas, no essencial, trata-se de uma questão de fé. A falta de fé impede que as pessoas sigam esta vocação.
Sítio Igreja Açores- Os pais deixaram de ser transmissores de fé?
Diácono Gil Silva- É possível porque se eu estiver num ambiente cristão, que estimule os valores cristãos, que os estime e os potencie; que desperte em mim a noção de ajuda ao outro, etc, naturalmente que vou ter mais pretensão a ser uma pessoa de fé. Se, pelo contrário, viver num ambiente hostil ou que não tenha esta prioridade pois naturalmente terei mais dificuldade em seguir uma via religiosa.
Sítio Igreja Açores- Mas, se é a própria família que não funciona como Igreja Doméstica, o que é que podemos esperar da instituição para despertar essas vocações sob pena de termos de encerrar seminários, congregações…
Diácono Gil Silva- Há uma coisa que temos de fazer: provocar. Falar sobre isso sem problemas. Se chegarmos ao pé de jovens e lhes perguntarmos já pensaste em ser religioso, ou em ser padre? Eles vão entender isso como uma espécie de provocação e isso vai deixá-los a pensar no assunto, seguramente. Os padres têm aqui um papel fundamental.
Sítio Igreja Açores- Provocar no sentido de despertar a reflexão?
Diácono Gil Silva- Sim, porque hoje reflete-se pouco. É tudo feito com base no momento e até nós igreja às vezes entramos nesse jogo. Vamos a ver, a juventude hoje é igual à de há 20 anos atrás. Tem as mesmas dúvidas e inquietações. O que está à volta dela é que mudou. Os meios de Comunicação Social, as redes digitais e todas as novas tecnologias aceleraram o ritmo mas os problemas são basicamente os mesmos. Antes os jovens também não se preocupavam com o futuro porque viviam e vivem, essencialmente, do momento presente. Aliás, eu acho que só pensamos no futuro quando chegamos à idade adulta.
Sítio Igreja Açores- O amanhã é distante. O que conta é o hoje e se possível com experiências fortes. É isso que explica a adesão dos jovens aos movimentos jihadistas, por exemplo, onde não há dificuldade em se comprometerem?
Diácono Gil Silva- É possível. A oferta, através de uma propaganda muito organizada, responde aos anseios imediatos de alguém que quer testar os limites. O que nós igreja temos de fazer é reinventar como é que podemos reintroduzir este Deus do Amor, do perdão, da misericórdia, na vida dos mais jovens. E isso faz-se através de mensagens positivas e nunca limitadoras. Os jovens por natureza não têm limites. O que nós temos de fazer não é impedi-los de os testar; é mostrar-lhes que há um caminho alternativo que é tão bom ou melhor do que aquele que é rápido, que dá prazer imediato mas que é volátil e num instante desparece.
Sítio Igreja Açores- A onde é que quer chegar?
Diácono Gil Silva- Um animador de um grupo de jovens ou um padre quando está com os jovens deve ter a coragem em primeiro lugar de os ouvir, de escutar as suas necessidades e depois ir ao seu encontro não com facilitismos mas mostrando que há caminhos alternativos baseados numa experiência de fé. Ou seja, eu porque sou mais velho e tenho experiência ouço um jovem mas tenho a obrigação de o alertar que se ele for por este ou por aquele caminho não é indiferente. Que há consequências e que elas não são iguais. E que até podem ser melhores ou piores. É fundamental que os mais velhos testemunhem e deem orientações aos mais novos. E tenham, aliás, uma enorme elasticidade no ensino da liberdade e da responsabilidade. Isso é fundamental.
Sítio Igreja Açores- A verdade é que hoje os jovens estão afastados da igreja, como muitos adultos. Como é que lhes pode abrir o caminho da conversão?
Diácono Gil Silva- Leu certamente o discurso que o Papa Francisco fez no Parlamento Europeu. O retrato que ele faz da Europa é cruel mas realista. Esse é um retrato que às vezes é feito da Igreja. Os escândalos, os episódios de corrupção, a falta de humildade e atenção aos mais carenciados e valoriza-se mais isso, porque há uma tendência natural para valorizar o negativo, do que os aspetos positivos que são próprios da igreja enquanto comunidade. Ora, se os jovens não se sentem acolhidos, sentem que não os respeitam, que até não há respostas concretas e inovadoras para os seus problemas afastam-se e às vezes até se viram para movimentos radicais que lhes dão uma aparente segurança. Isto deve fazer-nos pensar profundamente.
Sítio Igreja Açores- Deixe-me insistir nesta questão porque me parece fundamental: como é que a Igreja de Jesus pode estimular as pessoas em geral e os jovens em particular para este caminho de conversão?
Diácono Gil Silva– Essa é a pergunta para a qual uma resposta com eficácia significaria ganhar quase que a lotaria. Em eclesiologia aprendemos o valor da palavra tensão entre a realidade divina e a realidade humana. Esta tensão existe e existirá sempre. O que será importante é dizermos que Deus tudo pode e apesar de estar lá em cima, Deus também falou às pessoas. E o que ele nos disse em primeiro lugar foi para sermos fermento e não há volta a dar. Nós nunca conseguiremos converter toda a gente, nem salvar o mundo. Mas, podemos salvar-nos a nós próprios, no sentido de nos convertermos. Ora se nós nos convertermos e formos verdadeiros testemunhos conseguiremos melhorar alguma coisa. Não vale a pena ter pretensão a ser farol quando nem sempre somos velas. O importante é que cada um de nós seja essa vela.
Sítio Igreja Açores- Mas também há ventos que apagam a vela…
Diácono Gil Silva- Com certeza. E nós temos de estar vigilantes mas essa vigilância tem de ser feita com alguma abertura e sobretudo sentido de escuta. Na vida religiosa há três barómetros que regem a minha vida: pobreza, castidade e obediência. Esta última sempre foi regra fundamental ao longo da história da igreja. E obediência significa escuta. E essa escuta traduz-se em eu calar-me e escutar o que Deus tem para me dizer. E se ele me diz numa pessoa que está revoltada com Deus, que não vai á igreja, para eu a escutar, embora não seja a pessoa mais favorável, eu tenho de ter a humildade para o fazer.
Sítio Igreja Açores- Esta Congregação a que pertence tem um carisma missionário. Vê-se numa missão, fora do país?
Diácono Gil Silva- Claramente. Costumo dizer, como um colega meu camaronês, que sou um cidadão do mundo. Sempre viajei. Estive em Moçambique um mês, integrado numa comunidade de leigos dehonianos. Adorei. A minha igreja não está confinada a um templo.
Sítio Igreja Açores- Missionário é alguém que é convidado a despojar-se. Jesus disse aos discípulos: ide e não leves alforges, não leves dinheiro e nada te faltará…
Diácono Gil Silva- Sei que ainda tenho de me despojar de muitas peneiras. Lembro-me quando estive em Moçambique. A página tantas percebi que para me lavar não precisava de shampoo; sabão azul e branco era suficiente. Que não não precisava de roupas boas, porque o importante era ter roupa fresca que evitasse o calor. Está a ver, há tantas coisas que nós valorizamos e que não servem para nada. Este é o desafio da missão porque também nos ajuda a converter a estarmos mais próximos de Jesus, desse Cristo ressuscitado.
Sítio Igreja Açores- Vai ser ordenado dia 25. Como é que vai ser o dia seguinte, como se vê como Padre?
Diácono Gil Silva- Acho que vou estar em paz e com muita serenidade. Tanta coisa que vai passar por mim e que eu não vou dar conta. A ordenação não é só para mim. A atenção vai centrar-se em mim, mas gostava que se percebesse que esta cerimónia não é para mim. Esta não é a minha festa. Eu posso ser o motivo para congregar as pessoas, mas eu sou apenas o veículo da graça de Deus, esse é o verdadeiro sentido do sacramento da ordem. Espero que as pessoas façam esta festa para dar graças a Deus por continuar a chamar e a cativar, e sobretudo, a ajudar as pessoas que contribuem para que chegue este momento na vida de um jovem, desde a família aos formadores.