Responsável da Pastoral Social na diocese apela à Igreja para acabar com modelo assistencialista
No arranque de mais um ano pastoral, o novo responsável pelo Serviço Diocesano da Pastoral Social, Pe Duarte Melo, fala das prioridades do seu serviço “que não é executivo” mas deve “fomentar pontes e trabalho em rede”; dos desafios que se colocam a uma região onde a igreja é por vezes “a única” resposta à pobreza e que, por isso, tem “de ser inventiva”. Isto é , “passar de um modelo assistencialista” para uma intervenção “que acabe com esta ideia de que a pobreza é hereditária”. O sacerdote, que é pioneiro na criação de uma rede de economia solidária, através da Cooperativa Kairós, a partir do Centro Social e Paroquial de São José, em Ponta Delgada, lembra mesmo que é preciso ter uma voz para negociar junto dos poderes publicos . A saúde mental e a pobreza infantil são, por outro lado, dois aspetos que pretende desenvolver com uma equipa herdada do seu predecessor.
Sítio Igreja Açores- Vivemos momentos particularmente difíceis, com desemprego, pobreza e todas as consequências sociais que daí resultam. Quais são as linhas mestras para a pastoral social?
Pe Duarte Melo- A situação que se vive acarreta grande sofrimento, no Continente e nos Açores. O Papa todos os dias denuncia o mundo em que se vive. Portugal e os Açores não são exceção: esta economia que mata e que arrasta tanta gente para o desespero e para a periferia. Os Açores não escapam a esta realidade. Basta olharmos para as pessoas que estão abrangidas pelo Rendimento Social de Inserção (RSI) bem como todas as outras expressões de pobreza. Há muitas pessoas que não têm o mínimo dos mínimos, o que nos deve preocupar a todos.
Sítio Igreja Açores- A igreja tem esse diagnóstico feito, até porque em muitos casos são as suas organizações que respondem no terreno. Mesmo sabendo que não é à igreja que compete encontrar soluções, mas sim ao estado, pergunto-lhe que caminho deve ser trilhado?
Pe Duarte Melo- Nós enquanto pastoral social queremos ter um olhar teologal sobre esta realidade que é a nossa e fazer como Nosso Senhor que andava de terra em terra. Este Serviço é uma estrutura da igreja que foi chamada nesta hora de urgência, a minimizar o sofrimento dos mais pobres que são famílias inteiras que carregam uma cruz e nós devemos colocar-nos ao lado de quem transporta esta cruz, quais Cireneus, sensibilizando as comunidades para a existência do outro; para que sejamos capazes de dar um copo de água. Se todos formos capazes de o fazer seremos capazes de construir um oceano de amor. Não queremos uma sociedade amputada pelo mal mas uma sociedade que faça o bem. Que a cada mão de mal haja, para contrapor, uma mão do bem.
Sítio Igreja Açores- Estamos a entrar no Ano Santo da Misericórdia…
Pe Duarte Melo- E o agir que propomos é, justamente, o agir da misericórdia, feito à maneria do bom samaritano que olha, se aproxima e cuida.
Sítio Igreja Açores- Mas como?
Pe Duarte Melo- Nós temos prioridades para a pastoral em termos de reflexão e também alguma ação. A primeira de tudo é responder a esta emergência social que são os refugiados. É um grito de urgência e nós temos de responder procurando criar condições para derrubar barreiras e muros. Porque todos os que sofrem são dos nossos. Atrás da questão dos refugiados, que está a ter uma boa resposta em termos de alimentação, roupa, medicamentos, há uma outra área que precisa de uma grande atenção: a saúde mental…
Sítio Igreja Açores- É um problema e sobretudo exige respostas que se calhar a igreja sozinha não tem, embora as casas de acolhimento de doentes institucionalizados ou temporários sejam todas de congregações religiosas…
Pe Duarte Melo- A Igreja não pode ficar de fora desta problemática. Não podemos esperar pelos poderes públicos. São cada vez mais as pessoas que revelam doenças mentais, que se traduz de várias formas da mais simples à mais aguda, e estas pessoas e as suas famílias não têm retaguarda. Isto é, também, uma consequência da tal economia que mata; do consumo desenfreado que gera dependências e situações de doença profunda. A saúde mental está muito associada às questões económicas, ao emprego e ao cansaço de não se alcançar os objetivos traçados para a vida. De resto, hoje, muitas das depressões são causadas por isso. É como se fosse tirado o tapete e as pessoas começam a viver muitos problemas. Ora, a igreja tem que olhar para isto também na perspetiva do bom samaritano. Temos os centros sociais e paroquias que podem fazer um bom trabalho no âmbito da “terapêutica da compaixão”, por exemplo.
Sítio Igreja Açores- Como é que a Igreja pode atuar efetivamente?
Pe Duarte Melo- É preciso criar espaços e ATL´s, grupos terapêuticos, alertando e sensibilizando a comunidade para o problema do estigma que está instalado e que é um muro que tem de ser derrubado. Fizemos esta semana o IV Roteiro da Saúde Mental nos Açores. Estamos a avançar para o Faial onde não existem estruturas de apoio. Já encetámos um contacto com o Pe Marco Luciano, que é o ouvidor, no sentido de refletirmos e agilizarmos depois uma ação concertada com as entidades que prestam cuidados de saúde. Finalmente, elegemos também como prioridade para este ano o problema da pobreza infantil. A pobreza parece que se torna um fenómeno hereditário e genético nas nossas ilhas. Quem nasce pobre tem que morrer pobre, como se se tratasse de um ciclo de miséria. A Igreja tem que contribuir para acabar com isto. A Igreja tem de contribuir para acabar com esta ideia de que a pobreza é um problema hereditário nos Açores. Temos que ser inventivos.
Sítio Igreja Açores- Mas até agora foi-se mais interventivo…
Pe Duarte Melo- Em certa medida sim, porque tivemos e desenvolvemos um modelo assistencialista com o qual temos de parar. O modelo assistencialista é um modelo de emergência. Não podemos ficar satisfeitos em ter pobres e em alimentarmos os pobres. Até parece que gostamos de o fazer. A igreja tem de romper com isso. A nossa alma fica consolada porque alimentamos pobrezinhos.
Sítio Igreja Açores- Como é que isso se combate quando temos mais de 15% de desempregados… um em cada dois elementos do agregado familiar está sem trabalho e assim sucessivamente. Às vezes dá a sensação que a igreja denuncia pouco…
Pe Duarte Melo- A igreja tem que ser mais profética e tomara que todos fossem profetas. Temos tido uma igreja de manutenção que não vive alegre; vai repetindo gestos e atitudes. E, por vezes, nestas questões até tem tido um comportamento que eu diria de distanásia, que é prolongar coisas que já não têm remédio e já estão mortas. E por correlação aos Açores não é diferente. Falta-mos esta capacidade de denúncia e num meio tão pequeno como o nosso a situação ainda é mais difícil de contornar porque toda a gente se conhece e expressar opiniões diferentes é complicado. Infelizmente isto acontece na região e não é bom, até para a própria democracia.
Sítio Igreja Açores- Havendo uma dependência tão grande das instituições ao poder, mesmo as ligadas à igreja, concretamente aos financiamentos públicos, como é que elas podem desenvolver essa atitude profética sem sofrer as consequências do estrangulamento financeiro?
Pe Duarte Melo- É preciso ter direito reivindicativo e isso consegue-se através de uma união, de uma entidade que tenha poder negocial como a Associação dos Centros Sociais e Paroquiais, tal como existe a União das Misericórdias. Trabalhar junto, em rede… é claro que o estado tem a obrigação de financiar mas as IPSS`s também têm que ter essa responsabilidade.
Sítio Igreja Açores- Nós tínhamos a Kairós que o senhor fundou. O que é que se passou entretanto para tudo ficar tão amarrado, por assim dizer?
Pe Duarte Melo- Bom… há gestores desses projetos de rede social…mas de facto houve uma estagnação. As pessoas acomodaram-se ao subsídio e ficaram muito dependentes da política. Ora, essa capacidade negocial e inventiva tem que ser feita com a alegria do assombro. Isto é que é bom. O governo não dispensa a igreja e esta também não pode dispensar a sociedade civil.
Sítio Igreja Açores- O Serviço da Pastoral Social não é um órgão executivo. Até onde vai a sua capacidade para liderar estas iniciativas de pressão e de trabalho em rede com o governo e com a sociedade civil?
Pe Duarte Melo- Totalmente disponíveis. Agora colaboração não é ser “yes man”. Sempre que os nossos valores não forem respeitados ou existam decisões contrárias áquilo que achamos que deve ser, denunciamos. Já estamos a trabalhar com a Cáritas, com a pastoral da saúde e em breve estaremos com a Comissão Diocesana Justiça e Paz… Dentro da própria igreja tem havido alguma falha para trabalharmos em rede e as coisas não têm resultado. Também nós na igreja às vezes alimentamos um certo exclusivismo que nos impede de dar passos maiores. Como cada um está fechado no seu mundo e, por isso, deixa de haver capacidade inventiva. Cada um está fechado no seu mundo e uma igreja que está fechada sobre si própria é uma igreja fraturada que não poderá ter capacidade negocial nem força.
Sítio Igreja Açores- Porque é que é tão difícil juntar e articular as pessoas colcoando-as em comunicação?
Pe Duarte Melo- Falta-lhes o horizonte da catolicidade. O problema da igreja é que fazemos grande reflexões mas depois nada sai para fora. Temos muito para fazer. E por isso cá estamos.